Jason Rohan, A Espada de Kuromori e o poder do mito

Ainda estava em Londres quando ouvi falar no livro A Espada de Kuromori. Leio de tudo, mas meu interesse na obra não foi por seu enredo infantojuvenil e sim pela histórico de seu autor. Jason Rohan foi funcionário da Marvel e morou no Japão ao longo de cinco anos. Seus anos no Oriente serviram de inspiração para seu primeiro livro publicado e logo pela gigante do mundo editorial Egmont. Protagonizado pelo jovem Kenny Blackwood, A Espada de Kuromori mostra o garoto descobrindo sobre o passado de sua família, aprendendo a lidar com poderes e dons desconhecidos por ele e precisando salvar o mundo de uma ameaça conjunta de monstros e deuses malignos. O livro foi lançado em português pela editora Escarlate.

As origens de Kenny Blackwood são as mesmas de Luke Skywalker e Neo. As inspirações que levaram George Lucas a criar seu personagem e os irmãos Watchowski a conceber sua aventura cibernética foram as mesmas do escritor Jason Rohan durante a concepção de A Espada de Kuromori. O trabalho do especialista em mitologia Joseph Campbell (1904-1987) é unanimidade entre todos eles. No livro O Herói de Mil Faces, Campbell fala da jornada compartilhada por vários heróis da ficção ou não: todos começando como pessoas comuns e alcançando a glória após uma série de desafios. Rohan teve seu primeiro contato com o trabalho de Campbell antes de sua ida ao Japão: “Eu fiquei fascinado pela ideia do mito. Apesar de não achar que literatura pode ser reduzida a isso, é uma ótima referência na hora de escrever para uma jovem audiência”, me contou o autor em entrevista por email.

A minha impressão é que Rohan criou seu livro já pensando em uma possível adaptação para televisão ou cinema. Os capítulos curtos e a velocidade da trama casam com a trama simples sobre o despertar de um herói e deixam várias pontas em aberto para futuras continuações. Rohan falou comigo sobre a criação de saga de Kenny Blackwood, as várias influências em seu trabalho e um pouco do futuro reservado a seu herói. “Já terminei o segundo e estou trabalhando no terceiro. Depois disso eu vou precisar aguardar uma resposta do público. Tenho ideias para pelo menos mais dois livros na série, fechando em cinco”, avisa o autor.

JRohan

Após sua gradução você foi pro Japão. Qual foi o motivo dessa mudança?

Eu terminei minha gradução em inglês em 1990 e tinha esperança que isso ia contribuir pro início da minha carreira como escritor, mas logo descobri que era muito difícil começar na indústria editorial. Assim como hoje, havia muita concorrência e poucas oportunidades. Contava mais o “quem você conhecia” do que o “O que você conhece”. Mas sei que essa é regra de vários mercados ligados à criatividade.

Os conselhos que recebi na época eram para trabalhar como professor ou em bibliotecas e nenhuma dessas opções eram atraentes para mim. Um amigo meu havia trabalhado oito meses no Japão dando aula de inglês e me sugeriu essa possibilidade como uma aventura e uma oportubidade de viajar. Sempre fui fascinado pela cultura e a história do Japão, quanto mais pensava na ideia, mais atraente ela se tornava.

Tentei um programa governamental japonês, mas não consegui. Fui por uma escola particular de inglês de Londres. Fiz três entrevistas e fui aceito. Cheguei em Tokyo em janeiro de 1992, com um contrato de dois anos. Eu tinha alguns planos de trabalhar em uma pequena vila no litoral e escrever no meu tempo livro. Eu não poderia estar mais enganado. Acabei trabalhando 70 horas por semana e fiquei por cinco anos. Amei minha temporada lá, mas acabei não escrevendo muito e uma hora soube que era melhor voltar.

A ideia do livro veio nesse período no Japão?

Sim e não. A ideial inicial do livro veio de uma conversa com o meu agente na época. Eu havia escrito um livro infantil que passou por várias editoras do Reino Unido, mas acabou não gerando muito interesse. Perguntei o que as editoras estava procurando e me falaram que monstros e mitologia estavam em alta. Pesquisei sobre o assunto e o livro foi o resultado.

Mitologia grega e romana já foram bastante exploradas. O Egito estava presente em As Crônicas dos Kane, de Rick Riordan. Os quadrinhos e filmes do Thor trabalharam os mitos nórdicos. Cheguei ao Japão pensando que estava numa ótima posição, por ter morado lá e ter familiaridade suficiente com a língua para fazer a pesquisa necessária.

E como foi o processo de produção do livro?

Passei os últimos sete anos apenas escrevendo. Terminei meu primeiro livro, um épico de espada e magia, em 2009. Investi 18 meses nele. O segundo levou apenas cinco, por eu havia reaprendido a escrever no anterior. ‘A Espada de Kuromori’ levou os mesmos cinco meses para a escrita, após eu terminar minhas pesquisas. Achei o processo relativamente tranquilo. Quando escrevo, me perco na história e fico meio obsessivo com com ela, sempre pensando no enredo e no que vai acontecer. É como uma febre que só termina quando acabo de escrever. Aí posso voltar e começar a corrigir.

Eu ia amar poder voltar pro Japão para mais pesquisas, já que muita coisa deve ter mudado desde minha última visita, há 18 anos. Não consegui por falta de tempo e dinheiro. Sou um engenheiro em tempo integral e pai de cinco crianças, então não foi possível. Felizmente, graças à internet, consegui encontrar tudo que precisava. Eu definitivamente pretendo voltar ao Japão em breve. Parte do meu coração ainda está lá.

É o seu primeiro livro e ele foi publicado pela Egmont, um dos maiores grupos editoriais do mundo. Como isso aconteceu?

É engraçado. Como disse antes, eu tinha um agente para o meu segundo livro, mas não deu certo e terminamos a parceria. Achei que seria fácil encontrar um novo agente, mas levei 18 meses e 56 rejeições até encontrar uma nova. Quatro meses depois, assinamos o contrato com a Egmont.

Como sempre, costuma ser uma questão de sorte, momento e encontrar as pessoas certas. Fui muito sortudo de encontrar uma editora que viu o apelo internacional da obra. Com certeza ajudou o fato dela conhecer nomes como Hayo Myiazaki (diretor de animações japonesas) e Chiyonofuji Mitsugu (lutador de sumô japonês).

Você sempre imaginou a história como uma série de livros?

Sempre deixo minhas histórias em aberto para futuras aventuras – talvez um hábito que eu herdei dos quadrinhos – e dessa vez nao foi diferente. Pensei num arco de três histórias, mas as sinopses estavam limitadas a uma página. Minha editora incluiu esses rascunhos no projeto apresentado à Egmont e eles devem ter ficado bastante felizes, pois me mandaram escrever logo os três.

Já terminei o segundo e estou trabalhando no terceiro. Depois disso eu vou precisar aguardar uma resposta do público. Tenho ideias para pelo menos mais dois livros na série, fechando em cinco.

A jornada do Kenny lembra muito as aventuras de outros heróis – como Luke Skywalker, Neo e Harry Potter. Você vê similaridades entre esses personagens?

Uma das vantagens de ter estudado inglês na universidade foi ler O Heróis de Mil Faces, do Joseph Campbell. Eu fiquei fascinado pela ideia do mito. Apesar de não achar que literatura pode ser reduzida a isso, é uma ótima referência na hora de escrever para uma jovem audiência, já que eles esperam que determinadas coisas aconteçam – por exemplo: os vilões serem derrotados e o protagonista crescer ao longo da história. Quando escrevi A Espada de Kuromori, não fiz qualquer esforço para criar um enredo semelhante a desses outros personagens que você cita, mas eu construi a história em torno de vários pontos chave e depois eu comparei com A Jornada do Herói, do Joseph Campbell, então certas similaridades são esperadas.

No entanto eu admito que Matrix me serviu de inspiração de muitas formas, então o Neo foi uma ótima constatação.

Já que estamos falando de personagens de outros livros e filmes, quais foram suas principais influências durante a produção de A Espada de Kuromori?

A série Percy Jackson foi uma grande referência, pois o autor pegou alguns conceitos trabalhados pela J. K. Rowling em Harry Potter e expandiu para o gênero mitológico. No entanto eu tinha a consciência que precisava apresentar algo novo, não fazia sentido repetir ideias. Eu tive sorte que no Japão há essa junção especial de alta-tecnologia com tradições. Investir nesse conceito para criar uma espécie de mito-cibernético foi uma escolha fácil para mim. Gosto da ideia de deuses antigos utilizando ciência moderna para alcançar seus objetivos.

Também sou um grande fã de cinema, então fui influenciado por vários filmes. Citei a série Matrix, mas também tem Indiana Jones, James Bond, Duro de Matar e até Lilo & Stitch. Quadrinhos definitivamente também foram uma influência enorme, assim como animes e minha formação católica. Tudo isso está presente na história de formas sutis.

Você trabalhou para a Marvel. Qual a principal diferença entre escrever para quadrinhos e livros?

Em alguns aspectos é muito diferente e, em outros, muito parecido. Quando você escreve para quadrinhos, você usa palavras e ilustrações, mas também precisa explicar pro artista o que você quer na página. Nesse aspecto, lembra muito um filme. Depois vem o diálogo, também em comum entre ambos os meios. A estrutura da história também é a mesma, a diferença fundamental está na hora de retratar a essência dos personagens. Isso é algo que pode ser realmente explorado em livros, especialmente em narrativas em primeira pessoa. Mas acho justo dizer que optei por uma dinâmica mais semelhante de filmes, no que diz respeito à forma como conto a história, para manter o ritmo que gostaria.

Você é leitor de mangás?

Eu gostaria de ler mais mangás e assistir mais animes, mas sempre me falta tempo. Meu primeiro contato com a cultura japonesa foi em uma convenção em Nova York em 1987. Havia um vídeo mostrando clipes de anime e aquilo me deixou maluco. O so de sombras, perspectivas diferentes e ângulos ousados estava anos a frente de qualquer coisa que eu tivesse visto. Entao procurei algumas traduções para inglês de alguns animes, como Akira, Guerra das Galáxias, Gundam e Yamato. Mas mangás não eram muito fáveis de encontrar. Depois de muito tempo um amigo me emprestou Nausicaa, do Miyazaki.

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