Prêmio UGrampo 2019: uma homenagem dos organizadores do Grampo e da Ugra aos quadrinistas em resistência

O ano que passou avivou as marcas de nossos abismos: somos política, social, cultural e afetivamente tensionados. O processo eleitoral de 2018 aclarou o que já existia, campos ideológicos complexos e guerra latente entre os que querem conservar tudo que tá aí e os que querem direitos e inclusão para todos. No meio desse abismo em que a gente caía, a palavra que se repete, ainda: resistência.

O desenho de Thereza Nardelli, ilustradora e tatuadora, lembrou a frase que ecoava, resistente, de outros tempos sombrios: “Ninguém solta a mão de ninguém”. A hashtag #desenhospelademocracia foi usada por inúmeros ilustradores, cartunistas, quadrinistas. Autores explicaram, em quadrinhos, como reconhecer fake news (Verônica Berta), desmistificaram essas pseudonotícias (Rodrigo Okuyama), ou, simplesmente, apontaram, pelo desenho, o absurdo dos discursos de ódio (tantos!).

Nós, envolvidos, de certa forma, com o registro e cobertura da cena de quadrinhos brasileira, achamos que não devíamos deixar de marcar essa resistência. Desse modo, criamos uma nova categoria do Prêmio Grampo justamente para realçar, pelo trabalho de alguns, essa resistência de todos (porque a resistência é coletiva, de mãos dadas). Ao contrário do que se ensina no cinema comercial, não é um herói que faz a diferença, mas o coletivo (e infeliz o povo que precisa de heróis). Daniel Lafayette (Lafa), Diego Gerlach e Laerte Coutinho representam três vias entre tantas dessa luta.

No trabalho do Lafa, a constância de crítica política vem desde sempre. Chamaram nossa atenção especialmente os cartuns das moscas, primeiro no blog e nos últimos anos no Instagram, que atingiram grande público, circularam bem pelas redes sociais e grupos de bate-papo. Ele foi corrosivo, certeiro e não aliviou o discurso em momento algum. Representa a publicação digital, já que suas moscas voaram por todo o lugar.

Laerte, além do seu posicionamento perene pelos direitos LGBTQI (e com sua luta histórica nos jornais de sindicatos), é uma quadrinista-referência. Como publica em jornal diário, tem grande alcance (além de ser replicada posteriormente nas redes sociais), ela representa a resistência nos meios tradicionais de comunicação. E há o outro trabalho dela que entendemos ser muito importante: conversar com os autores mais novos, assumindo a toga de mestra, seja na conversa pessoal, seja pelas redes sociais, seja nos debates.

E quanto a Diego Gerlach, seu combate é mais nas entrelinhas que os outros dois homenageados, mas ele se insere em diversas publicações coletivas, cria fantasias para o cotidiano a partir das notícias, sem nunca deixar de se posicionar contra o autoritarismo. Todas as histórias recentes do Gerlach tem alguma marca de resistência ou dos problemas do fascismo. Ele representa a publicação impressa e barateira, acessível, da ideia que mesmo que circule em menos lugares, é acessível tanto na forma quanto no preço. Lembrando sempre que o zine é uma das formas clássicas da expressão da resistência.

Justamente nesse âmbito zineiro, a Ugra em suas diversas manifestações (loja física e virtual, editora, festival) sempre agiu em prol da cena brasileira de quadrinhos. Além disso, tem sido parceira no Prêmio Grampo desde a segunda edição. Portanto, a escolha do nome para o troféu assinala essa amizade e dedica uma homenagem também à Ugra.

Em 2019, foram escolhidos três quadrnistas para receber o UGrampo, mas isso não configura um padrão. Em 2020 podemos ter mais, menos ou até nenhum homenageado. Afinal, a resistência é antiautoritarista e antisetabilishment. 😉

A quadrinista Laerte Coutinho com o troféu entregue a ela referente à vitória no Prêmio UGrampo 2019

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