Papo com os autores da coletânea Porta do Inferno: “A gente vê o diabo diariamente e faz de conta que não”

Os editores e quadrinistas Lobo Ramirez (Escória Comix) e Luiz Berger (Gordo Seboso) uniram forças para lançar a coletânea Porta do Inferno. O álbum de 76 páginas reúne histórias assinadas pelos dois editores e outros quatro artistas: Emily Bonna, Victor Bello, Diego Gerlach e o quadrinista mexicano Abraham Diaz. A obra tem início com um enredo assinado por Berger mostrando a abertura da porta do inferno na terra e as HQs seguintes apresentam algumas das consequências desse ocorrido, tendo o narrador Caio Tira-na-Cara como o responsável por conduzir o leitor ao longo do álbum.

Autor do épico ASTEROIDES – Estrelas em Fúria, lançado em março de 2018, em parceria da Escória Comix com a Ugra Press, Lobo Ramirez é das figuras mais ativas da cena brasileira de quadrinhos. Em 2017 ele publicou os celebrados NÓIA – Uma História de Vingança (Escória Comix/Vibe Troncha Comix), de Diego Gerlach, e os dois volumes do já clássico Úlcera Vórtex, de Victor Bello. Nove meses após ASTEROIDES, ele publica a parceria com Berger para encerrar o ano de seu selo pessoal com a coletânea de histórias de horror, morte e destruição protagonizadas pelos demônios de Porta do Inferno.

Após responder à breve entrevista a seguir e revelar o primeiro lançamento de sua editora para 2019 (O Alpinista, de Victor Bello), Lobo Ramirez entrevistou cada um dos cinco autores de Porta do Inferno para o Vitralizado. Nas conversas, os artistas falam sobre as inspirações para suas histórias na publicação e expõem suas suspeitas em relação à vinda do anticristo à terra. Saca só:

– LOBO RAMIREZ –

As portas do inferno estão abertas em território brasileiro?

Lobo Ramirez: Escancaradas.

Qual foi a inspiração de vocês para esse formato, com vários autores escrevendo histórias com a mesma temática?

Lobo Ramirez: A real é que esse era pra ser um quadrinho longo do Berger, mas ele desencanou de terminar e eu fiquei enchendo o saco pra lançar porque as páginas eram fodas. Então surgiu a ideia de chamar um pessoal e continuar a historia do ponto que ele parou. Eu não sei se tem alguma coisa nesse formato específico, já deve ter, mas de toda forma eu achei interessante o resultado e quero tentar outros títulos nesse mesmo estilo.

Quais será a próxima investida da Escória Comix?

Lobo Ramirez: Bom, oficialmente confirmado e em produção é um quadrinho do Victor Bello cujo título revelarei exclusivamente agora: O Alpinista, um gibi que ele vem produzindo desde o começo de 2018. Mas já tenho previstos outros 14 títulos novos para 2019, então vai ser um ano de varias investidas. Deus me acuda.

Um painel do quadrinista Luiz Berger presente em Porta do Inferno

– LUIZ BERGER –

LOBO RAMIREZ: Você já participou, como convidado e editor, de diversas antologias de quadrinhos, reunindo nomes nacionais e internacionais. Alguns nomes se repetem nessas publicações, por que Porta do Inferno é diferente das outras?

Luiz Berger: Sim, vários nomes se repetem e acho que vão continuar se repetindo nas próximas antologias. Eu gosto de seguir uma linha editorial com uma identidade, que é bem parecida, ou até igual, à do lobo ramirez. O que difere a Porta do Inferno das anteriores, é que nessa não são só histórias que seguem um tema, como a revista Goró, que reunia histórias sobre bebida, colocadas meio que em ordem aleatória. Nesse caso, as histórias começam do mesmo ponto, da porta do inferno que foi aberta no final da primeira história do gibi, e todas estão conectadas pelos comentários do personagem-narrador Caio Tiro-na-Cara, como em várias revistas de terror dos anos 50. Acho que essa revista está muito mais bem amarrada que as anteriores.

LOBO RAMIREZ: Quando você vai largar mão de ser trouxa e começar a produzir quadrinhos de merda com mais frequência?

Luiz Berger: Acho que esse ano eu volto a fazer com muito mais frequência. Editar essa revista me deu um belo ânimo pra voltar com o Gordo Seboso.

– ABRAHAM DIAZ –

LOBO RAMIREZ: Você já participou de várias antologias de quadrinhos, incluindo Goró (Gordo Seboso), que tem três dos quadrinistas presentes na Porta do Inferno. Há muitos outros quadrinistas nesse meio mais podre no México? Ou você acha que há uma cota de retardados dos quadrinhos por país?

ABRAHAM DIAZ: No México, o quadrinho marginal está apenas começando a se desenvolver. Sem dúvida, há muitos cartunistas começando a publicar quadrinhos podres e eu acho que nos próximos anos haverá um boom nos quadrinhos mexicanos e na arte em geral.

LOBO RAMIREZ: Você acha que Porta do Inferno é mais uma imagem de um bando de marginais falando sobre o diabo, cocô, violência e blasfêmias gratuitas?

ABRAHAM DIAZ: Sim, eu acho que Porta do Inferno é isso, mas eu também acho que não poderia ser outra coisa hahaha

– EMILLY BONNA –

LOBO RAMIREZ: Conte-nos um pouco sobre sua relação com quadrinhos. Você tem um trabalho com ilustração, mas já tinha feito quadrinhos antes? Qual a diferença entre produzir um quadrinho e uma ilustração?

Emilly Bonna: Na infância não cheguei a ler muitos quadrinhos, mas me chamava atenção a estrutura deles, que possibilitava contar histórias através de desenhos. Comecei a fazer breves historinhas pra mim mesma aos nove anos e, conforme foi passando os anos, continuei fazendo quadrinhos e zines bem amadores e com pouca circulação. Na ilustração eu posso passar uma ideia rápida do que quero expressar e nos quadrinhos as formas de explorar um tema são mais amplas.

LOBO RAMIREZ: Por que você aceitou fazer parte desta patotinha horrível de pessoas degeneradas? Não tem medo do que vão falar de você na igreja?

Emilly Bonna: Eu estava no culto da igreja Deus é Amor e no meio da oração, Jesus, na forma do piolho da irmã que estava na cadeira da frente, me disse: ‘Participe de uma HQ de alto grau satânico para enaltecer o Diabo, tô brigado com meu pai Deus, quero deixar o véio puto’. E então cumpri o pedido de Cristo, amém. Não tenho medo do que vão falar pois já envenenei todos os membros da igreja com cianeto misturado no suquinhos Tang de uva.

– VICTOR BELLO –

LOBO RAMIREZ: Na história Fuim, o Xupador de Ossos, mesmo em poucas páginas, você insere uma vasta gama de personagens e parece que a qualquer momento podemos acompanhar qualquer um deles com uma história diferente. Nessa história específica, quais foram suas inspirações para os personagens?

VICTOR BELLO: Nessa história eu quis fazer uma investigação estilo Arquivo X. O demônio não teve uma inspiração específica, mas os personagens da gangue que trafica cascos de tartaruga eu me inspirei em personagens aleatórios de filmes da produtora Troma, gente esquisita. Outros, como as vítimas, busquei as características em típicos personagens que morrem em filmes slashers, então uma das vítimas é um jovem pixador que usa drogas, o outro é um pescador que pesca tartaruga em extinção. São pessoas que num filme slasher são descartáveis. O jovem pixador é parecido também com personagens de propaganda cristã anti-drogas.

LOBO RAMIREZ: Não te incomoda os editores dessa revista claramente estarem ganhando milhões às custas de jovens talentos?

VICTOR BELLO: Incomoda. E me incomoda tanto que pretendo roubar toda a fortuna desses dois em um golpe que já está em curso e assim montar minha própria editora. Os contratarei com carteira assinada, pagarei um salário e os tratarei com toda decência.

– DIEGO GERLACH –

LOBO RAMIREZ: Fazer parte do gibi Porta do Inferno é mais uma de suas participações numa antologia de quadrinhos. Qual o lugar você enxerga que essa história tem dentro do seu trabalho? Ela dialoga de alguma forma com a sua produção atual ou cada título,  cada quadrinho, se adequa a necessidades específicas?

DIEGO GERLACH: Acho que tem as duas coisas, sempre dialoga com as outras HQs que tenho feito e por outro lado também sempre supre uma necessidade específica. Essa HQ pra Porta do Inferno tem umas coisas que vinha fazendo em outros trabalhos (grids fixos, desenho digital fotoreferenciado), mas ao mesmo tempo a demanda era específica (e inédita pra mim): uma HQ de terror com uma pegada clássica. Levou um bom tempo pra ser concluída, ela meio que mudou de rumo e acabei incorporando alguns elementos de uma lenda urbana que me foi contada algumas vezes na época em que fazia catequese. O terço final foi criado no intervalo do primeiro pro segundo turno das eleições de 2018.

LOBO RAMIREZ: Você acha que o verdadeiro anticristo vira à terra como um homem de deus?

DIEGO GERLACH: Como ateu criado no catolicismo, o diabo pra mim é o conceito alegórico definitivo… Mesmo que não exista um ‘verdadeiro’. Tem vários ‘homens de deus’ que são o diabo em pessoa (preciso dar exemplos…?), vão na direção diametralmente oposta dos ensinamentos do mito crístico. É isso: a gente vê o diabo diariamente e faz de conta que não. (Como curiosidade, meu avô queria que eu me tornasse padre.)


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