Papo com Lucas Gehre, autor da série Quadradinhas: “Acredito que o conteúdo e a estrutura podem se influenciar mutuamente e que é interessante trabalhar com possíveis variações nesse equilíbrio”

Está marcado para sábado, 17 de agosto, o lançamento de Quadradinhas 2, a segunda coletânea da série homônima do quadrinista Lucas Gehre. A sessão de autógrafos com o autor está marcada para começar às 16h de sábado, na loja da Ugra (Rua Augusta, 1371, loja 16), em São Paulo. Você encontra outras informações sobre o lançamento na página do evento no Facebook, clicando aqui.

Apesar de algumas investidas prévias de Gehre no formato fixo que caracteriza o projeto, as Quadradinhas tiveram início em 2010, quando o autor produziu aquela que ele considera a primeira leva de quadrinhos da série. Publicadas na primeira coletânea das Quadradinhas, lançada em 2016, as 10 tiras iniciais foram produzidas para o Concurso de Ilustração da Folha de 2010, no qual ele ficou em segundo lugar.

O projeto só foi retomado em 2012, já com seu nome oficial, publicado semanalmente no blog da revista Samba. A periodicidade semanal durou até 2015, quando a série passou a ser diária. Até hoje, já foram publicadas mais de mil e duzentas Quadradinhas e as coletâneas impressas da série apresentam as tiras em ordem cronológica.

“Aprendi a importância de continuar produzindo, de desenvolver um trabalho que eu consiga produzir no ritmo que me proponho e atingindo o resultado que eu pretendo, em termos de desenho e produto final”, conta Gehre em bate-papo por email com o blog sobre uma das lições desse período de quase sete anos de produção ininterrupta de um dos projetos mais longevos das HQs nacionais.

Na conversa a seguir, Gehre lembra o ponto de partida dos experimentos que resultariam nas Quadradinhas, fala sobre as técnicas utilizadas por ele e sobre a rotina de produção do projeto e também apresenta algumas de suas principais reflexões decorrentes desses sete anos de Quadradinhas. Papo massa, saca só:

“Muitas vezes eu fecho a estrutura da ‘página’ de uma Quadradinha antes de saber qual vai ser o conteúdo, e daí a estrutura acaba indicando possibilidades narrativas”

Uma das HQs publicadas em Quadradinhas 2, de Lucas Gehre

Você lembra do ponto de partida das Quadradinhas? Houve algum instante ou algum estímulo em particular que te fizeram dar início a esse projeto?

Antes das Quadradinhas ‘mesmo’ eu já estava explorando o formato das tiras e alguns quadrinhos com quase a mesma estrutura que eu uso na série. Entre 2007 e 2009, fiz muitos quadrinhos nesses formatos super curtos, trabalhando muito em cadernos, em uma produção bem espontânea. Algumas coisas dessa fase foram publicadas na primeira revista Samba e outras no meu primeiro livro ‘solo’, Amarelo, Laranja e Vermelho, composto por três livretos com material desses cadernos. Daí em 2010 quando rolou aquele concurso da Folha, eu fiz o que eu considero as 10 primeiras Quadradinhas e fiquei em segundo lugar. Nesse período rolava o blog da Samba e eu produzia uma das séries semanais que a gente publicava lá, onde fiz várias coisa diferentes, mais curtas, em temáticas e estilos bem variados. Em 2012 eu retomei o formato das Quadradinhas, aí que tive que nomear o material, porque no blog precisava ter um título pra série. Foi do formato de série pro blog que veio também o lance de numerar cada uma, que eu mantive quando passei a publicar no Facebook e agora estou publicando no Instagram também.

Por que as Quadradinhas têm o formato que têm?

A escolha por esse formato tem um lado que vem da exploração dos grids de página de quadrinhos e o meu trabalho em geral tem a ver com isso, com estrutura e experimentação. Mas tem um lado que foi meio arbitrário, é um formato em que eu cheguei e achei interessante. Isso tem a ver com um aspecto que eu acabei incorporando no trabalho, onde muitas vezes eu fecho a estrutura da ‘página’ de uma Quadradinha antes de saber qual vai ser o conteúdo, e daí a estrutura acaba indicando possibilidades narrativas. Muitas vezes a gente pensa que a história é que deve indicar a estrutura, mas eu acredito que o conteúdo e a estrutura podem se influenciar mutuamente e que é interessante trabalhar com possíveis variações nesse equilíbrio.

“Continuo fazendo, continuarei imprimindo, virou um projeto a longuíssimo prazo”

O flyer do evento de lançamento de Quadradinhas 2, marcado para o dia 17 de agosto, na loja da Ugra, em São Paulo

Você começou a publicar as Quadradinhas em 2010, hoje já são mais de mil e duzentas tiras. Que balanço você faz entre o que o projeto era, quando surgiu, e o que ele é hoje?

Quando comecei a série o pensamento sobre esse trabalho era mais imediato, tipo ‘fazer uma série agora’, ‘inscrever no concurso’, mas quando eu transformei em série semanal, depois de alguns meses entendi que seria legal manter essa continuidade a longo prazo. Depois intensifiquei a produção para o ritmo diário, fiz campanha no Catarse e o primeiro livro impresso. Ver a série num livro, duzentas Quadradinhas, lado a lado, deu outra força pro projeto, permitiu outra leitura. Ficou mais evidente o vocabulário próprio das Quadradinhas, a identidade desse trabalho. Acho interessante também mencionar que nas edições impressas eu estou publicando todas, na ordem em que foram feitas, então dá pra ver como eu fui passando por temas, cores, quando teve mais abstratas ou mais narrativas. Agora estou lançando o segundo livro impresso, depois de outra campanha no Catarse. E é isso, já são 1200, já dava pra preencher mais quatro livros. Continuo fazendo, continuarei imprimindo, virou um projeto a longuíssimo prazo mesmo.

Em qual momento a produção das Quadradinhas se tornou diária? Por que se impor essa periodicidade?

Fiquei quase três anos fazendo semanalmente, entre 2012 e 2015. O ritmo semanal já é um desafio, mas depois desse período eu já estava bem seguro, com um método bem organizado e eficiente de produzir. Então eu resolvi impor o ritmo diário ali no final de 2015. A tirinha tem essa relação com a publicação diária, as tiras de jornal, tradicionalmente, têm essa periodicidade. Combina com esse tipo de narrativa curtíssima, que proporciona uma leitura muito rápida, mas daí todo dia você vê aquilo de novo e vai criando uma relação duradoura. Funciona bem pro público, cabe em qualquer momento do seu dia, não exige muito tempo de concentração. É legal ver como às vezes uma tirinha mexe com a pessoa, que depois volta e comenta, como às vezes aquela experiência tão rápida pode proporcionar uma reflexão ou uma dúvida, ou quando vem alguém e oferece uma interpretação muito particular, além da intenção original que eu possa ter colocado ali.

“O meu processo é bem eficiente e consigo fazer uma Quadradinha em aproximadamente 30 minutos”

Uma das HQs publicadas em Quadradinhas 2, de Lucas Gehre

Você tem uma rotina para a produção de cada tira? Você tem um momento do seu dia dedicado exclusivamente para esse trabalho? 

Varia um pouco, mas eu tenho. O ideal é sempre produzir pelo menos na véspera do dia em que vou publicar. Por muito tempo eu segui o horário de publicar sempre de manhã no blog e meio dia no Facebook, depois fiquei só com o horário de meio dia no Facebook. De um ano pra cá eu tenho variado mais os horários, li em algum lugar que é melhor pro algoritmo e identifiquei que no Facebook eu tenho conseguido mais envolvimento com as publicações a partir de umas 18-19h. Então muitas vezes eu tenho feito no dia mesmo, logo antes de publicar. Quando preciso viajar ou de alguma forma vou ficar ocupado, eu consigo adiantar as tirinhas, fazer logo várias e deixar programadas paras serem publicadas diariamente. O meu processo é bem eficiente e consigo fazer uma Quadradinha em aproximadamente 30 minutos, até menos se eu estiver fazendo várias de uma vez. O lance de não ter um tema, de poder variar entre abstratas e mais narrativas, me ajuda a não ficar muito tempo sofrendo em busca de uma ideia, normalmente eu resolvo rápido e sem sofrer.

Quais técnicas e materiais você usa para produzir as Quadradinhas?

Eu uso uma série bem simples de materiais. Tenho um grid de base, impresso com a estrutura de nove quadrinhos. Usando uma mesa de luz eu desenho os requadros seguindo esse guia, já no papel da arte final, normalmente um Canson 140g/m2, com uma caneta 0.5 dessas Micron ou Unipin. Ainda na mesa de luz, sobre essa folha da arte final eu sobreponho uma folha comum e seguindo os requadros de base faço o esboço do desenho já de canetinha mesmo, sem me preocupar muito em errar ou rasurar. É nessa etapa que eu tenho a ideia, decido as palavras que vou usar, planejo a composição. No final eu transponho o esboço na folha comum para o papel da arte final, na mesa de luz, com a mesma canetinha. Depois digitalizo e faço o tratamento final e as cores no Photoshop.

Uma das HQs publicadas em Quadradinhas 2, de Lucas Gehre

Qual é o público das Quadradinhas? Você tem muito retorno com a série nas redes sociais? As pessoas interagem com você por conta desse trabalho?

O público das redes sociais é bem diverso, mas é uma maioria de mulheres, entre 20 e 30 anos. Acho que uma boa parte são pessoas que não necessariamente são ‘o público’ de quadrinhos, muita gente que talvez nem leia outras coisas nessa linguagem. Acho isso legal porque uma das ideias por trás das Quadradinhas é fazer um trabalho que seja acessível, que possa atingir um número grande de pessoas. Tenho um retorno bom nas redes sim, apesar de atualmente o Facebook estar muito difícil, mas tem um pessoal que acompanha por lá e sempre comenta e compartilha. Tenho tido bastante retorno no Instagram, mais recente, fiz o insta das Quadradinhas só no ano passado. É sempre bom saber que as pessoas gostam e acompanham o trabalho.

Apesar de algumas das Quadradinhas apresentarem histórias e narrativas com início, meio e fim, a maior parte delas eu interpreto como um experimento de linguagem. Qual foi a maior lição ou talvez o grande aprendizado que as Quadradinhas te deram em relação à linguagem dos quadrinhos durante esses quase dez anos do projeto?

Acho que foram muitos aprendizados importantes ao longo dos anos. Mencionei ali em cima esse lance sobre estrutura e conteúdo que eu acho que é uma coisa interessante. Fazendo essa série tão longa, usando sempre essa mesma estrutura, com as suas poucas variações possíveis, deixando a estrutura puxar a narrativa, sugerir as soluções e as histórias, me faz pensar muito sobre esse equilíbrio entre essas forças na composição de um quadrinho. Outro ponto que acho legal destacar, não é exatamente sobre a linguagem dos quadrinhos, mas é sobre o fluxo de trabalho, aprendi muito a importância de continuar produzindo, de desenvolver um trabalho que eu consiga produzir no ritmo que me proponho e atingindo o resultado que eu pretendo, em termos de desenho e produto final. Acho que  isso tem a ver com a linguagem, no sentido de que quadrinhos são muito trabalhosos de se fazer, então é importante encontrar um sistema em que você consiga realizar o seu projeto, senão pode demorar demais e se tornar uma experiência frustrante.

“Os momentos de contemplação e reflexão que eu consigo ter ao longo dos meus dias se projetam nessa hora de produzir”

Uma das HQs publicadas em Quadradinhas 2, de Lucas Gehre

Mesmo que a leitura das Quadradinhas às vezes dure questões de segundos, esses segundos acabam servindo pra mim como um instante de contemplação e reflexão em meio ao caos que é a internet e a realidade que estamos vivendo. Os seus instantes investindo na série, trabalhando na Quadradinha do dia, também são um momento de introspecção e escape da realidade para você?

Não exatamente, na verdade eu desenvolvi esse método pessoal muito eficiente, então eu consigo produzir inclusive em situações bem adversas e variadas. Acho que os momentos de contemplação e reflexão que eu consigo ter ao longo dos meus dias se projetam nessa hora de produzir, onde eu acabo sendo mais focado e atento ao processo de trabalho mesmo.

Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Recomendo o novo Ugrito da Lovelove6, Lombra, uma série do Netflix que chama Guerras do Brasil e o último disco do Black Alien. São coisas que eu curti recentemente e acho que valem conhecer.

A capa de Quadradinhas 2, de Lucas Gehre

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