Papo com Esteban Maroto, o autor de Espadas e Bruxas: “O que faz os quadrinhos de bárbaros tão universais é a mitologia dos contos de fadas”

Dentre as memórias mais antigas do quadrinista espanhol Esteban Maroto está a leitura de uma versão ilustrada de As Mil e Uma Noites. Hoje aos 75 anos anos, o artista tem certeza como aquela obra teve impacto definitivo em sua formação. “Aquele presente me impressionou profundamente, acredito que marcou todas as minhas leituras seguintes”, conta o autor em entrevista por email. Maroto é o autor da coletânea Espadas e Bruxas, obra de estreia do canal Pipoca & Nanquim como editora. O álbum reúne três histórias publicadas pela primeira vez na íntegra no Brasil.

O acabamento gráfico da publicação reflete a imponência dos traços e das páginas de Maroto. A capa dura e o papel de alta gramatura do gibi estão em acordo com o design singular de cada uma das páginas produzidas pelo quadrinista. A ingenuidade das tramas de bárbaros e feitiçaria são compensadas com cenas de batalhas, cenários e criaturas sem iguais. O virtuosismo do autor e a belíssima edição resultam em um diálogo entre Espadas e Bruxas e Sharaz-De de Sergio Toppi, publicada em 2016 pela Figura no Brasil.

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A edição nacional de Espadas e Bruxas é marcada por seus vários textos complementares aos quadrinhos de Maroto, servindo como uma ótima introdução ao trabalho e ao legado de seu autor. O título ainda fica marcado por sua estratégia de distribuição exclusiva via Amazon. Em tempos de busca por novos modelos de negócio em um período de intensa instabilidade econômica, a Pipoca e Nanquim marca sua estreia tendo passado três dias seguidos de seu período de pré-venda como o livro de ficção mais vendido da loja virtual no Brasil.

Na entrevista com o blog, Maroto fala sobre o início de sua carreira, de sua falta de paciência com os quadrinhos de super-heróis, da infância como apaixonado por Goya e de suas visitas constantes ao Museu do Prado em Madri quando ainda era criança. Ó:

“Posso tanto criar uma história contemplando uma imagem quanto imaginar um universo visual após ler um romance ou um poema. Também posso fazer isso ouvindo música, não há nada mais inspirador do que uma melodia”

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Quais são as suas memórias mais antigas relacionadas a quadrinhos? O senhor se lembra do primeiro quadrinho que leu e do momento que decidiu trabalhar com HQs?

Quando eu tinha seis anos me deram uma versão ilustrada do livro As Mil e Uma Noites. Aquele presente me impressionou profundamente, acredito que marcou todas as minhas leituras seguintes. Confesso que gosto muito mais de ler obras literárias do que quadrinhos, talvez por preferir imaginar meus próprios mundos e dar os rostos que quiser aos personagens. Me lembro que o meu irmão, 12 anos mais velho do que eu, tinha uma coleção de quadrinhos do Flash Gordon em inglês, eu não entendia o texto, mas adorava observar aquelas imagens. Ao contrário do que acontecia com os livros, eu adorava imaginar as histórias.

Como é o seu processo de criação? O senhor tem algum método de trabalho que costuma ser aplicado em todos os seus trabalhos?

Sempre gostei mais da fantasia e da mitologia do que da realidade, que normalmente me deixa mais triste e deprimido. Posso tanto criar uma história contemplando uma imagem quanto imaginar um universo visual após ler um romance ou um poema. Também posso fazer isso ouvindo música, não há nada mais inspirador do que uma melodia.

A maior parte dos seus trabalhos são sobre bárbaros, guerreiros e feitiçaria. O senhor vê algum elemento particular nessas histórias que as tornam tão universais?

O que faz os quadrinhos bárbaros tão universais é a mitologia dos contos de fadas. Acredito que eles reúnem todos os elementos da filosofia. Conheço muito bem a mitologia clássica e alemã e no momento estou empenhado em ler sobre mitos orientais – um universo muito completo, repleto de deuses, parece que cada ação humana tem o seu próprio deus.

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O senhor vê muita diferença em relação à forma como as pessoas consomem histórias fantásticas nos dias de hoje em relação ao começo da sua carreira?

A chegada das novas tecnologias e da internet mudou profundamente o mundo. Hoje, um computador ou um telefone celular são capazes de armazenar tudo o que existe, basta um clique para ter acesso a qualquer coisa. Por outro lado, o excesso de informações muitas vezes acaba por massificar e deteriorar a cultura.

É possível fazer com que histórias de fantasias como as suas reflitam os dramas e conflitos da nossa realidade?

Um quadrinho se diferencia de um filme ou de um videogame principalmente por ser um meio muito barato para se contar uma história e expressar ideias. O problema é que é uma linguagem que acaba sendo sempre rebaixada e depreciada por intelectuais que pensam nas HQs como um produto para jovens com capacidade intelectual muito limitada.

Os trabalhos do senhor já foram publicados por editoras de países como Espanha, EUA, Itália e agora Brasil. O senhor vê muita diferença no público leitor de cada país?

Eu sempre trabalho tendo em mente leitores com a capacidade de pensar por conta própria e eles existem em todas as partes do mundo. O difícil é chegar a eles competindo com multinacionais que parecem se importar apenas com uma única coisa: a venda de seus produtos.

O livro do senhor ocupou durante três dias seguidos a lista de obras de ficção mais vendida da Amazon brasileira. É um feito bastante impressionante para uma HQ de fantasia dos anos 70, o senhor concorda?

Quando jovem eu vivia em Madrid, muito perto do Museu do Prado. Pela minha fixação por pinturas e ilustrações me deram uma bolsa de estudos e eu podia entrar no museu sempre que quisesse. Eu passava grande período contemplando as pinturas, principalmente os trabalhos do Goya. Eu ficava fascinado com a série Os Caprichos, mesclando texto e desenhos como fazer os quadrinhos. Com o tempo fiquei amigo de vários dos funcionários, eles achavam engraçado que um garoto tão jovem estivesse tão apaixonado. Eles me levaram ao acervo de pintura guardado no porão do museu e eu acredito que ter acesso àquilo foi como entrar na caverna de Ali Babá, ou a um dos palácios encantados presentes nos Contos de Mil e Uma Noites que tanto marcaram a minha vida.

Reconheço não ser um grande leitor de quadrinhos nos dias de hoje. O mundo dos super-heróis, cheio de efeitos especiais me entedia e cansa. Por mais que eu reconheça ficar impressionado durante alguns minutos, estou cansado de lutas e de homens e mulheres vestindo capas e cuecas apertadas. Tenho que viver, me alimentar e cuidar da minha família, para isso me vejo obrigado a realizar trabalhos dos quais não me sinto tão orgulhoso. Mas sempre que posso gosto de desenhar meus próprios roteiros, algo cada vez mais difícil dada as atuais conjunturas do mercado editorial.

Então eu só tenho a agradecer a atenção de vocês e torço para que nos deixem pelo menos seguir pensando. Difícil é ser livre, não que nos deixem trocar de amos de vez em quando.

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