Papo com Diego Gerlach, o responsável pela Vibe Tronxa Comix

Em 2015 Diego Gerlach lançou O Bonde Transmutóide. Ficção científica que mistura HQ com literatura de cordel, a obra é o mais recente título publicado pelo selo/editora Vibe Tronxa Comix e é assinada por Gerlach junto com Everton Luiz Cidade. Em 2012, ao inaugurar a Vibe Tronxa, Gerlach explicou sua iniciativa no Facebook: “A Vibe Tronxa tem a ambição de se firmar como um selo confiável para quadrinhos autorais feitos com empenho e duas ou três colheres de excentricidade. Se você está cansado de browsear as bancas em busca de histórias em quadrinhos MUITO LOUCAS, seus problemas acabaram”. Desde então ele publicou vários zines e quadrinhos, todos com a mesma pegada pós-apocalíptica/distópica/surtada do título mais recente.

O 2015 do quadrinista também será lembrado por suas quatro colaboração no Nébula, todas na mesma linha de seus trabalhos impressos, mas ainda mais explícitos em termos políticos. Milhões Agora Vivendo Jamais Morrerão foi inclusive selecionado para a coletânea O Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015. Ambientada em Brasília no ano 2158, a HQ mostra uma conspiração política com ares de Futurama, mas protagonizada por políticos brasileiros.

Bati um papo por email com Gerlach. Ele falou sobre os diferentes formatos de suas publicações, as origens e inspirações do Bonde Transmutóide, a formação de seu estilo, seus trabalhos publicados no Nébula e a HQ presente no Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015. Conversa bem massa. Saca só:

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Cada um dos títulos dessa sua leva mais recente de publicações possui um formato muito próprio e específico. Talvez o tamanho seja um pouco padronizado, mas é um muito diferente do outro e a ‘embalagem’ de cada um dialoga bastante com seu conteúdo. Como você define essa formatação? Ela surge junto com o conteúdo da revista?

Tenho um interesse grande por design, e gosto de editar minhas próprias publicações, de pensar no aspecto desses objetos de um jeito que a experiência de leitura seja maximizada tanto quanto possível dentro dos recursos disponíveis. O formato dos zines da Vibe Tronxa Comix vinha seguindo um mesmo padrão de impressão, tamanho A5 (14,8 x 21cm), com as capas impressas num papel de gramatura superior (Canson colorido 180gr) e de uma cor diferente do papel do miolo (normalmente, papel offset branco 75gr). Esse formato foi estipulado por razões de funcionalidade e custo: é a melhor relação entre preço/tamanho/facilidade de refilar. De uns tempos pra cá me desencantei um pouco com a produção de zines, porque dão muito trabalho pra fazer e somam prejuízo financeiro na maioria das vezes. Apesar da hiperabundância de zines a ser encontrados em feiras, são publicações que ainda têm um público muito específico; zines de histórias em quadrinhos, ainda mais. Os próximos passos significativos do selo devem ser impressos em gráficas profissionais (como foi o caso d’O Bonde Transmutóide, que, em princípio, seria mais um zine xerocado), mas com o mesmo cuidado pra criar um objeto que faça bom uso de um padrão de impressão modesto.

Fiquei pensando nessa questão de formatação principalmente depois de ler o Bonde Transmutóide. Eu li o quadrinho o tempo todo como uma espécie de zine de literatura de cordel. Faz sentido? Só não é ilustrado em xilografia, mas são sempre as páginas de versos acompanhadas de outras de uma ilustração em painel único. Era a sua intenção? Por que esse formato e essa linguagem?

O formato do Bonde com certeza teve influência das publicações de cordel. Quando morei na Paraíba vi esse material e até comprei alguns. A simplicidade dos livretinhos sempre me pareceu muito charmosa, o lance da capa ser impressa em um papel de cor diferente das páginas do miolo (uma sacada simples, mas que a maioria dos zines que tinha visto até aquela época não tinha tido a manha da copiar). O Bonde surgiu de um desejo antigo de colaborar com o Cidade, que é um amigo poeta, aqui de São Leopoldo, e que também cantou/canta em duas das melhores bandas locais (Viana Moog e a Siléste). Queria testar se era possível fazer uma publicação ‘popular’ em preço e formato (pensando, claro, que seria um lançamento em Ano de Crise), mas que ainda assim reservasse uma dose de estranheza. Até onde entendo a literatura de cordel é bem mais calcada no verbo do que na linguagem visual, então o nosso cordel já é uma mutação desse modelo original, as próprias ilustrações têm um aspecto mais narrativo, emprestado dos quadrinhos. Os textos que o Cida mandou sequer eram capítulos de uma narrativa, eram mais fluxos poéticos com algumas uma série de obsessões recorrentes. Achei que poderíamos forçar o leitor a ver essas conexões de modo inconsciente através das ilustrações e da edição geral da publicação. E a tradição poética em que o Cida se inscreve (alguma coisa situada entre Roberto Piva, Baudelaire e William Burroughs) também não é o que se esperaria ver num cordel.

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E como você define esses trabalhos? Na sua cabeça eles são histórias em quadrinhos?

A maioria, sim. Fiz algumas experiências, como o Beiçudo, que misturava HQ, ilustração e prosa, e o já mencionado Bonde, que não se encaixariam totalmente na definição. Sempre tenho a ideia de tentar outras coisas. Fazer sei lá, um zine de ilustrações ou algo do tipo, mas acaba que os quadrinhos tomam a maior parte da minha energia pra criação.

Você se define como um quadrinista?

Me defino como quadrinista, porque é a coisa que considero que faço melhor e também atividade pela qual a maioria das pessoa me conheceu. Mas na verdade é mais uma coisa que eu faço, porque a verdade é que atualmente ganho a vida como instrutor de inglês. Esses dias um aluno veio me contar meio incrédulo que tinha me visto na TV, no Transando com Laerte, fiquei meio sem graça. Não por que houvesse algum motivo pra embaraço, mas porque é algo que tendo a esquecer por completo quando estou trabalhando na escola, é uma vida dupla meio esquisita, e me pegou de surpresa.

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Cada uma das suas publicações tá repleta de várias referências e citações. Pra ficar em quadrinhos, você vai de Disney a Kirby passando pelo Fantasma, por exemplo. O maluco pra mim é você ter essas referências, mas trabalhar elas dentro do seu estilo. Mas enfim, a questão é outra: o que você mais lia de quadrinho quando era criança, durante a sua formação, e hoje em dia?

Bom, meu gosto foi majoritariamente colonizado pelos ianques… Quando era moleque mesmo, tinha todo tipo de gibi infantil em casa, Disney, Trapalhões, Sergio Mallandro, Maurício de Sousa, Lulu e Bolinha, as coisas do Ely Barbosa, gibis dos personagens Hanna e Barbera, enfim, boa parte do que era publicado no Brasil na época (metade pro final dos anos 80). Ali pelos 7-8 anos de idade meus pais começaram a me deixar escolher os gibis que comprávamos no supermercado, e aí eventualmente comecei a me interessar por super-heróis, uma coisa que se cristalizou mesmo ali pelos 10-11 anos de idade (que foi também quando descobri a MAD nacional e me desfiz de todos meus gibis infantis). Daí até meus 17 anos li uma mistura de super-heróis, eventuais quadrinhos ‘adultos’ que achasse (como as coisas da Vertigo, Akira, algum Moebius, Heavy Metal e Metal Pesado, a série Graphic Novel da Abril). Dentro desse período, quando tinha uns 16 anos, achei um lote de edições da Animal num sebo de São Léo, e estavam todas por uma ninharia, aos poucos comprei tudo. Isso explodiu legal minha cabeça em termos de quadrinhos, foi minha primeira exposição focada ao quadrinho europeu e ao under nacional. Fiquei um tempo fora dos gibis (meio que tentando fazer sexo), e nesse período li basicamente só livros. Quando retomei e comecei a ler coisas mais densas, como Dan Clowes, Frederic Boilet, Dave Cooper, algumas coisas da Fantagraphics, Paul Pope. Depois disso a internet entra em cena com tudo e tive um acesso maior a tendências e estilos. Encarnei em Fabio Zimbres, Gary Panter, a galera do Fort Thunder, comecei a descobrir as antologias nacionais (Samba, Beleléu, Prego). E depois comecei a me interessar pelo lado mais pulp dos quadrinhos, e comecei a ler heróis que tinha passado por alto quando mais jovem, tipo Fantasma, Mandrake, Bonelli Comics, terror nacional, Diabolik, etc. Praticamente nunca vou em livrarias, normalmente meus gibis vêm dos sebos (continuo comprando Disney compulsivamente). As coisas mais atuais que consumo em termos de quadrinhos são em sua maioria lançamentos independentes que chegam pelo correio através de trocas ou negociações entre a Vibe Tronxa e outros selos.

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Li um texto bem legal seu de 2011 que fala um pouco da sua trajetória e de como você acabou chegando no seu estilo atual. Lá você fala de um momento em que “aceitou o fato de não ser tão bom quanto ambicionava ser, que tinha perdido um bocado de tempo envolvido com uma ideia de plasticidade que mais tarde se revelou superficial”. Hoje você tem alguma outra ambição estética? Que tipo de liberdade essa aceitação que você cita te deu?

A liberdade foi basicamente a de conseguir finalmente fazer quadrinhos, algo que tinha tentado sem sucesso até então. Quando me interessei por estilos, digamos, ‘não-canônicos’, cheguei à conclusão que o que mais interessa no desenho não é a capacidade de representar de modo fiel a realidade, mas sim todo potencial de abstração em cima do que vemos no mundo real, e sim a necessidade de desenvolver um vocabulário gráfico próprio, sobretudo por meio das ferramentas providas pela estilização do cartum, para abordar ideias mais complexas.

Como alertava naquele texto, a prática cria algum método, independente da vontade do autor. Sinto que, após cinco anos desenhando sem parar, meu desenho se versatilizou e hoje consigo desenhar a maioria das coisas que sinto vontade. Antes, por mais que tentasse, as coisas não ficavam do meu agrado. Agora, além de ter mais referências do que é ‘aceitável’ em termos de quadrinhos (basicamente tudo), tenho a habilidade técnica, digamos, para desenhar o que quiser. Hoje, o principal conflito é delimitar as possibilidades do que quero fazer, pra não ficar eternamente preso à prancheta. Minhas ambições são de criar HQs um pouco mais formais em termos de execução, com narrativas mais lineares do que as que tentava no começo, mas ainda tentando abordar questões amplas, subjetivas e muitas vezes ridículas.

CROONER copy

Um padrão que vejo no seu trabalho é o ambiente urbano quase como um personagem. Ele tá lá o tempo todo, é uma espécie de figura onipresente que parece determinar o rumo da maior parte dos seus zines e histórias. Você já morou em mais de uma cidade, certo? Você vê todos os lugares por onde passou como esse mesmo cenário decrépito que retrata nos seus trabalhos?

Além de São Leopoldo, que é minha cidade natal e onde vivo atualmente, já morei em Londres e João Pessoa. Nem todos essas cidades eram decrépitas, mas em algum momento circulei por partes meio derrubadas de cada uma. É uma coisa que me atrai. Em se tratando do desenho de lugares decrépitos, é meio que um cacoete visual também. Um pouco fruto da minha limitação logo que retomei o desenho, um pouco referências visuais da infância. Nas histórias mais antigas da Disney a casa do Pateta estava sempre caindo aos pedaços, com reboco caído, às vezes lixo espalhado, como se ele fosse um pária com dificuldades de aprendizado morando sozinho numa espelunca prestes a ruir. A vila do Chaves, também é outra coisa que me influencia, aqueles tijolinhos fajutos aparecendo onde o reboco caiu. Pra mim é mais fácil desenhar lixo no chão do que árvores.

Eu emprestei certos elementos da minha experiência em cada um desses lugares com certeza. Por exemplo, o fato dos meus personagens estarem sempre transpirando de modo inumano se devia, na época, ao fato de estar morando em João Pessoa e experienciar nada menos que 300 dias de sol causticante ao ano. Grandes centros urbanos têm uma série de características em comum que tornam histórias ambientadas nesses cenários uma coisa ao mesmo tempo profundamente universal e vagamente amorfa. Nessas cidades, você encontra farta quantidade dos elementos básicos do melodrama, que são romance/sexo e violência. Quanto maior esse núcleo, maior a tendência à entropia e ao conflito, e portanto maior o número de possibilidades de abordar o ser humano de modo mais tridimensional.

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Você fez quatro histórias pra Nébula, certo? Pelo menos as quatro que eu vi você sempre acabou falando de política. Você falou muito dessa necessidade das pessoas tomarem partido e desse extremismo político que acaba tornando raso qualquer debate. Como foi essa experiência pra você? É importante pra você se posicionar politicamente por meio do seu trabalho?

Sim, foram 4 histórias. A primeira (‘Ad Captandum Vulgus’) já estava pronta antes do site começar e seria usada para outra finalidade, mas achei que ela caberia no Nébula, porque abordava questões de classe, que no fim das contas são questões políticas. Nas outras histórias, o teor político mais pronunciado foi uma sugestão editorial que resolvi abraçar como desafio. O Rafa Coutinho me passava tópicos da maneira mais vaga possível, e esses temas acabaram nas histórias. É importante pra mim falar de política de um jeito que deixe o leitor um pouco suspeito em relação às minhas reais intenções, que faça com que não compre minha ideia de imediato. Acho que quando você tenta marretar de cara sua posição, a nuance do trabalho e sua capacidade transformativa se perdem um pouco. A linha entre o didático e o condescendente é muito tênue.

Olhando com alguns meses de distância acho que essas histórias são uma tentativa de expressar o que sinto ao logar no Face e sentir minha alma sendo arrancada pelos olhos todos os dias. Apesar de todos os benefícios que nos trouxe, uma coisa que não pode ser dita é que a internet não exalta os ânimos de todos os envolvidos. Ou que não atiça nosso narcisismo ao ponto da repulsa. Enquanto discutimos política online, é como se cada pessoa tivesse que expor continuamente cada reentrância e pelo encravado do seu escopo político do modo mais contundente possível, criando um loop recursivo onde as nossas tentativas de comunicação culminam em histeria e paranoia, que se infiltram na realidade real das coisas reais e a torna também histérica e paranoica.

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Na Milhões Agora Vivendo Jamais Morrerão você desenha um futuro bem trágico pro Brasil. É uma espécie de ficção científica que retrata um provável futuro se tudo de pior dos nossos dias continuar existindo de forma ainda mais intensa e pior no ano 2158. É uma visão bastante pessimista. O que você vê para o nosso futuro próximo? Você é otimista, acha que as coisas estão melhorando/podem melhorar ou acha que todo esse conservadorismo em ascensão nos nossos dias tá ainda só no começo?

Bom, o presente do Brasil também é trágico. É como disse prum amigo outro dia, “Fora a distopia, está tudo bem”. Todo o potencial de um país territorial e humanamente vasto, imobilizado por uma casta canalhocrata reptiliana.

No caso dessa história, como a maioria das histórias sci-fi que gosto, o futuro é só uma alegoria pra falar do presente e quem sabe prevenir um futuro próximo terrível. É um futuro bem fajuto, se você observar… sou péssimo em desenhar elementos tecnológicos. Não me considero otimista ou pessimista, acho que me definiria como um absurdista na definição de Camus, de que devemos abraçar o absurdo da existência sem no entanto desistir do senso de busca por um significado particular. Acho que o ser humano é um animal que faz maravilhas e horrores em igual medida. A realidade atual (tanto no Brasil quanto no mundo) corresponde a cenários distópicos da literatura fantástica mais ultrapassada e cheia de clichês, mas ainda assim não nos referimos a isso pelo termo ‘distopia’. Parece que não percebemos que já adentramos o futuro previsto e que ele é bem o que imaginávamos… anticlimático. Acho qualquer previsão inútil nesse momento. Toda uma micro-revolução está acontecendo na cabeça do brasileiro. Enquanto jovem democracia, estamos entendendo pela primeira vez quais são as reais engrenagens do país, e esse processo é horrendo, mas fascinante. Tudo pode acontecer, inclusive nada.

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A Milhões Agora Vivendo Jamais Morrerão acabou entrando no Fabuloso Quadrinho Brasileiro de 2015. Tanto em relação ao Nébula, quanto à coletânea: o que você acha dessa variedade de estilo e artistas brasileiros desses projetos? O que você pensa quando vê todas essas pessoas reunidas fazendo tanta coisa diferente?

Acho que é uma variedade moderada, ainda em processo de rápida expansão. O fato do Brasil não ter uma indústria de quadrinhos faz com que tenhamos uma produção em grande medida desvinculada de objetivos comerciais claros, bastante idiossincrática, mas ao mesmo tempo dificílima de acompanhar de modo extensivo. Na minha cabeça, o que entendemos pela ‘geração atual’ de quadrinistas é algo que começou a rolar meio que em paralelo ao advento das redes sociais, ou seja, tem menos de 10 anos. E muita coisa aconteceu nesse meio tempo. Faço quadrinhos de fato há pouco mais de 5 anos e, nesse meio tempo, já surgiu toda uma galera mais jovem que eu e que já tem um volume de publicação muito maior que o meu. A quantidade de lançamentos que ocorre em cada grande evento de quadrinhos cresce de maneira exponencial; o público leitor, por outro lado, não. É um impasse legítimo, pro qual não tenho nenhuma solução a não ser a recomendação de tentar o excruciante processo meritocrático conhecido como ‘autopublicação perseverante’.

Creio que a grande maioria dos quadrinistas autorais, no Brasil, tenha mais ou menos o mesmo público (em números) que um poeta maldito. Talvez menos. O Nébula, nesse sentido, fez uma amostragem interessante dessa produção, e levou vários autores a um público mais amplo. Acho que foram as histórias que criei que foram mais lidas e comentadas até hoje.

No caso do Fabuloso Quadrinho Brasileiro, acho uma antologia ousada e importante, lançada numa conjuntura financeira particularmente desfavorável num país onde as coisas nunca estão inteiramente favoráveis. (No interesse de alguma transparência, Rafa Coutinho e Clarice Reichstul são grandes amigos meus). Finalmente tive a oportunidade de pegar o livro em mãos nesse fim-de-semana e realmente impressiona o escopo do que é feito hoje no Brasil. Parece que depois da aridez criativa dos anos 90 (quando todo mundo queria desenhar pra alguma editora gringa), temos um zilhão de novas estéticas fervilhando. Houve críticas fortes a respeito do número de mulheres selecionadas, que no fim acabou bem inferior ao número de autores homens, de modo que simplesmente elogiar a antologia sem dizer nada a respeito dessa controvérsia pareceria meio cínico. Então, retomando a questão ‘diversidade moderada’… Acredito (e que fique claro que isso é uma forte suspeita e não um dado estatístico) que o número de mulheres praticando quadrinhos no Brasil ainda seja consideravelmente menor do que o de praticantes homens. No caso do Fabuloso mesmo, a proporção de postulantes à antologia era de cerca de uma mulher para cada cinco homens. Embora não possa atestar o que se passou na cabeça do Érico Assis no momento de selecionar as histórias incluídas (tipo, o próprio fato de ter sido incluído na publicação me surpreendeu, porque achei que ele não fosse muito chegado ao que faço), esse me parece um dado muito significativo pra simplesmente se ignorar. Existe um número de autoras (que não sei dizer qual é, assim como não sei qual é o número total de praticantes da arte no país) de grande expressão que, até onde vejo, concentram a maior parte desse público feminino que espera ler histórias que falem diretamente às suas preocupações, algo nunca atendido por gibis onde caras hipertrofiados se esmurram, ou pelo tipo de cartum sexista normalmente associado ao quadrinho de humor nacional.

Mas, sim, é um número mais reduzido. E sinto muito se soo como um entusiasta do Instituto Mises dizendo isso, mas é que estou apontado meramente o problema, não sua origem (que é, sim, uma sociedade patriarcal, niilista e decadente, que precisa ser remodelada urgentemente). Como disse antes, não sou otimista nem pessimista. Embora ache que esse ainda não é o modelo de equanimidade de gênero que gostaria de ver no mundo, ainda acho melhor do que o passado recente, onde essas questões sequer eram abordadas e portanto a chance de mudança era nula. Tipo: você saberia apontar alguma autora de quadrinhos contemporânea de Angeli e Laerte? Ou, enfim, alguma mulher com a mesma estatura no cânone da HQ nacional (fora, hm, @ própri@ Laerte)? (Novamente, estou apenas apontando o problema, não sua origem.) Pois o mesmo não pode ser dito sobre a geração atual, onde alguns dos nomes mais comentados e reverenciados são femininos, ao menos entre autores com quem converso. Ainda é um avanço pequeno, ainda é uma coisa nova – assim como todo o resto da atual cena é inegavelmente nova em termos de produção. Acho que as autoras que nesse momento se esforçam para colocar o trabalho na roda de modo autônomo, independente de ser convidada para essa ou aquela antologia, são a melhor aposta que temos enquanto linguagem, causa ou meio de expressão artística para renovar e ampliar de modo radical nosso minúsculo público leitor.

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