Me Leve Quando Sair: Jéssica Groke e os percalços do primeiro quadrinho

A quadrinista Jéssica Groke vai lançar sua primeira HQ impressa durante o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, marcado para rolar entre os dias 30 de maio e 3 de junho na capital mineira. A estreia da autora ocorre no surpreendente Me Leve Quando Sair, sobre a dinâmica de relacionamento de Groke com seu irmão mais velho. O álbum mostra um breve período dos dois viajando por Paraty e lembrando de memórias de infância e refletindo sobre suas dinâmicas familiares. Com belíssimos designs de páginas e uma história muito bem contada, Me Leve Quando Sair marca uma bela estreia de Groke e apresenta uma artista promissora da cena brasileira de quadrinhos. Bati um papo por email com a quadrinista sobre esse primeiro trabalho dela. Saca só:

Quando e como surgiu a ideia de fazer essa HQ?

A ideia surgiu no início de 2017, mais ou menos. Já fazia um tempo que eu queria começar um quadrinho, mas nada era importante e/ou interessante o suficiente pra me fazer começar, mas então o meu irmão decidiu que sairia do país e isso foi bem importante pra mim, pois nós sempre fomos muito próximos. Daí pensei, “tá aí, preciso falar dele, preciso falar um pouco sobre nós”. Em dezembro de 2016 a gente tinha feito essa viagem incrível pra Paraty, então juntei o contexto e a situação de Paraty com os sentimentos e pensamentos que essa mudança tava me trazendo, foi assim que surgiu o quadrinho. Eu senti que precisava falar sobre alguns dos meus medos, sobre algumas preocupações que eu tinha com o meu irmão, coisas que apesar de tão recentes, eu já nem sinto e penso mais.

Me Leve Quando Sair é o seu trabalho de estreia e expõe muito de você, da sua vida pessoal e da dinâmica de seu relacionamento com o seu irmão. Como foi pra você administrar esse conteúdo e essa exposição?

Eu não me incomodei muito em me expor, o que me preocupava era expor minha mãe e meu irmão. Agora, enquanto escrevo essa resposta, nenhum dos dois leu o quadrinho ainda, então não sei o que eles vão achar do livro e como meu irmão irá reagir ao ver o que escrevi sobre ele. Mas eu os avisei que faria um quadrinho assim, que seria bastante pessoal e eles concordaram, gostaram da ideia e não se incomodaram. Então tendo o apoio dos dois me sinto tranquila. E o que está registrado não é 100% real, nem aconteceu exatamente daquela maneira, é apenas uma fração da nossa vida. Mas a melhor parte, com certeza, foi ficar caçando momentos na memória, perguntar coisas para os dois e encontrar esses pedacinhos de vida que ficam nas caixas de lembrancinhas e nos álbuns de fotos.

Você poderia falar um pouco sobre as suas técnicas e seus métodos? Você trabalhou com um roteiro fechado antes de começar a desenhar? Quais materiais você utilizou durante a produção do quadrinho?

Não trabalhei com um roteiro fechado. No início eu tinha apenas as cinco primeiras páginas na cabeça, eu sabia que tinha que começar ali, mas depois eu só fui deixando o quadrinho me levar. Eu não fazia ideia pra onde tava indo. Hoje, com o quadrinho pronto, sinto que foi um erro não ter me planejado melhor, pois rolaram alguns momentos onde eu fiquei completamente perdida e desesperada, tive intervalos de um ou dois meses que eu não desenhava nada, não via uma solução pra história. Quando eu já tinha umas 12 páginas prontas, comecei a fazer umas fichas pra tentar me organizar, cada ficha representava uma página, e em cada uma eu escrevia o que eu queria ter na página. Por exemplo, ‘cena na loja, diálogo sobre quarto, possíveis elementos: objeto artesanal de madeira, porta da loja’. Eu ia escrevendo coisas e cenas que eu sabia que precisava ter na história, aí depois passava um tempo reorganizando, descartando e adicionando fichas. Simultaneamente eu ia planejando as páginas e desenhando, não tive uma etapa de escrever e uma etapa de desenhar, fui fazendo tudo junto e quando todas páginas estavam prontas eu escrevi os diálogos.

Sobre os materiais, eu usei lápis grafite 6b e 8b e papel A3 120g, gosto de considerar como material também as fotos e documentos que usei de referência para os desenhos, em alguns momentos eles funcionam praticamente como colagens, então acho justo mencionar. Acredito que a finalização em grafite tem uma função narrativa e combina com a atmosfera da história, mas, num primeiro momento, eu decidi que seria assim, pois ainda não me sinto segura com outras técnicas, então eu trabalhei com essa limitação da melhor forma que pude.

Eu gosto muito da diversidade nos designs das páginas do quadrinho. Foi desafiador pra você criar uma unidade pra obra trabalhando com páginas tão distintas?

O mais desafiador foi criar os designs diferentes. Minha segunda limitação é não saber usar requadros, então eu precisei bolar um jeito de fazer sequências sem usá-los. Eu trabalhei de uma forma em que o corpo dos personagens e os elementos do cenário tivessem a mesma função que um requadro teria. É até engraçado eu chamar a obra de quadrinho quando na verdade não tem nenhum quadrinho hahaha Acho que o nome mais adequado seria narrativa gráfica, mas gosto de chamar quadrinho, acho provocativo. E sobre a unidade, uma vez li um texto do Paulo Cecconi no Balbúrdia sobre sincronicidade das páginas e eu simplesmente amei, pensei ‘preciso usar isso conscientemente’. Não acho que consegui ter ‘controle das coincidências’ no quadrinho todo, mas eu tentei. Achei que se eu fizesse uma página puxar a outra, no final, elas ficariam com o mesmo ‘ritmo’, mesmo que o design fosse tão diferente. Fora isso, eu apostei que a finalização e o estilo do desenho iriam trazer uma unidade por si só.

Esse é o seu primeiro trabalho e eu fico curioso sobre as suas influências. Eu percebo um certo diálogo com o trabalho do Pedro Franz, faz sentido? O que mais você leu/viu/ouviu/assistiu que te influenciou enquanto fazia a HQ?

Faz total sentido, eu adoro o trabalho do Pedro Franz, foi uma grande influência. Incidente em Tunguska e Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo. Pra mim, eles apresentam uma honestidade gráfica e narrativa que eu tentei trazer pro meu trabalho e também têm esse desapego das formas tradicionais de se fazer quadrinho, que é uma coisa que eu acho incrível. Apesar de absorver todas essas coisas do trabalho do Pedro, eu acho que o quadrinho que mais me inspirou, definitivamente, foi Mensur do Rafael Coutinho. Esse quadrinho foi lançado e eu tava começando a fazer o Me Leve Quando Sair, e eu não conseguia parar de ler, não conseguia parar de pensar nele, eu via aquelas páginas sem requadros e pensava ‘É ISSO’. A obra do Rafael é muito importante pra mim, no geral. Eu também li repetidamente o Meu Pai é Um Homem da Montanha da Bianca Pinheiro e do Greg Stella, eu amo esse livro, ele é muito forte pra mim, eu me encanto com a simplicidade e sutileza da narrativa deles, acho muito acurado. Outro quadrinho que também me inspirou muito foi o O Ateneu da Mariana Paraizo. Gosto muito da forma como ela usa colagem e como ela parece misturar lembranças pessoais com ficção, usei muito disso no meu quadrinho.

Fora quadrinhos, eu também vejo muito filme quando tô buscando inspiração. The Darjeeling Limited foi muito importante pra mim, é meu filme favorito sobre comunicação e fraternidade. Gosto demais como os flashbacks funcionam no filme, como o Wes Anderson quebra a história em ‘começo, fim e meio’, tentei usar isso também. E tiveram dois filmes do Karim Aïnouz, que eu assisti umas quatro vezes cada um enquanto fazia o quadrinho haha O Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo e O Céu de Suely, meu deus, como eu acho esses filmes incríveis, a honestidade do texto, dos diálogos… O O Céu de Suely é quase um quadrinho do Quintanilha, saca? O Que Horas Ela Volta e Mãe Só Há Uma também são filmes que me destroem, a Anna Muylaert consegue passar a atmosfera do filme todo em uma cena de um minuto, ela tem um controle da narrativa dela que admiro muito, quero um dia poder fazer isso com meus quadrinhos. Enfim, teve muita coisa que vi, li e assisti enquanto fazia o livro. Fora isso, também ouvi muito dois álbuns: Paraíso da Miragem, do Russo Passapusso, e Super Sub América, da Trummer Super Sub América, esses dois discos têm uma mistura de nostalgia, alegria e tristeza, que eu queria trazer pra minha história.

Eu também tenho curiosidade em relação às suas expectativas com esse primeiro quadrinho. Quais sentimentos estão passando pela sua cabeça às vésperas do lançamento?

Eu espero que os leitores encontrem as mensagens que eu tentei passar no quadrinho, e os que não encontrarem, espero que encontrem outras coisas mais interessantes. Espero também que os leitores gostem, e os que não gostarem, eu espero que sejam sinceros e gentis comigo. Foi difícil fazer esse quadrinho, mas eu aprendi muito no processo. Agora quero usar esse aprendizado pra fazer mais quadrinhos. Acho que é isso.


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Uma resposta para “Me Leve Quando Sair: Jéssica Groke e os percalços do primeiro quadrinho”

  1. Avatar de val
    val

    simplismente dimaiissss, show.

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