Editora Mino e o festival de bandas punk que é o mercado brasileiro de quadrinhos

Apesar de toda a minha paixão por quadrinhos, revistas, livros e quase toda forma de impressão, sempre penso “quem é o maluco?” quando fico sabendo de uma nova editora ou um lançamento produzido por algum autor independente. Há toda uma efervescência no mundo editoral, mas papel é caro, o retorno é incerto e histórias em quadrinhos ainda me parecem bastante restritas a um nicho muito bem delimitado. Fiquei sabendo do surgimento da editora Mino no início de outubro e a pergunta não demorou a bater: quem são os malucos?

Criada por Janaína de Luna e Lauro Larsen, a editora tem dois lançamentos já anunciados. L’Amour:12oz de Luciano Salles está previsto para chegar nas lojas especializadas no início de novembro. A segunda obra será Lavagem, de autoria do paraibano Shiko, autor do blockbuster Piteco – Ingá do projeto de graphic novels da Maurício de Sousa Produções e um dos grandes nomes dos quadrinhos nacionais nos últimos anos. Adaptação de um curta dirigido pelo artista, o gibi tem previsão de lançamento para março de 2015.

Conversei com os dois responsáveis pela Mino. Segundo eles, além dos dois títulos já anunciados, a ideia é chegar na edição de 2015 do Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte com pelo menos mais quatro publicações, tanto obras nacionais quanto estrangeiras. Falamos sobre esses próximos lançamentos, a linha editorial da Mino, as origens do projeto e o mercado nacional de quadrinhos – de acordo com os editores, algo semelhante a um “festival de banda punk adolescente”. Papo bem bão. Saca só:

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Qual a origem da Mino?

A Mino surgiu da nossa paixão por quadrinhos. Acho que isso é o comum entre as editoras de quadrinhos nacionais. Ninguém tá nessa por dinheiro. Mas isso não quer dizer que encaramos a coisa com menos profissionalismo. Achamos que o quadrinho autoral nacional está num momento muito interessante, que temos algo a acrescentar, a somar, e queríamos fazer parte dele.

A editora basicamente é formada por Janaína de Luna , Lauro Larsen e alguns parceiros que se agregam de acordo com o projeto. Neste momento o Daniel Moraes está sendo fundamental pra que as coisas deem certo. Esperamos que essa parceria se prolongue.

Já o nome Mino vem do do marciano amigo do Bolinha.

Por que iniciar os trabalhos de vocês com o Luciano Salles? Como vocês chegaram a ele?

Conhecemos o Luciano no Festival Internacional de Quadrinhos de 2013. Ele tava lá com seu quadrinho “O quarto vivente”. Ficamos bastante impressionados com seu traço e sua narrativa. Acabou surgindo uma amizade. Planejávamos abrir a editora no começo de 2015 quando ficamos sabendo que, por uns contratempos, o Luciano tinha ficado sem editora pra Lançar o L’Amour:12oz. Achamos que seria uma bela oportunidade pra dar start ao projeto. Os quadrinhos do Luciano não são o que podemos chamar de corriqueiros, banais e era essa cara que queríamos dar a nossa editora. Então antecipamos o cronograma e tocamos o projeto.

E o Shiko? Ele talvez seja hoje um dos quadrinistas mais badalados do Brasil. Como foi esse convite dele lançar por vocês?

Também conhecemos ele rapidamente no FIQ. Admirávamos demais o trabalho dele. A Janaína de Luna que tem uma cara de pau enorme, pegou o telefone um dia e ligou pra ele. “Olha sabe o que é, nós nem temos uma editora ainda mas vamos ter, quer lançar com a gente?” Acho que o bicho ficou intrigado com a falta de noção da menina. Também acho que um é Paraibano, a outra Pernambucana, ambos transitavam no underground nordestino, ambos tinham uma ligação com cinema. Deu samba. Começamos uma paquera e vimos que as idéias que tínhamos batia com as deles e ai o casamento foi inevitável. Estamos muito felizes com a parceria e já pensamos em outros projetos quando acabar Lavagem. Rolou tão bem que ele praticamente é um membro da editora. Super parceiro. E não poderíamos querer mais, né? O cara é um monstro. Sabe muito. Além de ser gente finíssima. Extremamente generoso. Um cara incrível mesmo.

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Os quadrinhos já estão chegando prontos e vocês pensam o projeto editorial? Que tipo de edição vocês fazem?

Cada quadrinho está tendo um processo diferente. O L’amour:12oz já estava praticamente pronto. Ele ia ser lançado por outra editora, então foi mais simples. O Daniel estava trabalhando no projeto com o autor de forma independente já fazia algum tempo, por isso sabíamos que o trabalho estava bem feito.

O Lavagem é uma adaptação de um curta escrito e dirigido pelo Shiko. Ele já estava debruçado no projeto quando nós entramos nele. A história já estava bem trabalhada, afinal ele estava mergulhado nela desde o processo do curta. O Shiko tem um controle surpreendente da sua narrativa e o seu desenho dispensa comentários. O que fazemos, e achamos que o que é o mais legal de fazer, é discutir a obra. A criação de quadrinhos, ao contrario de outras artes narrativas é um processo muito individual, solitário. Achamos que com isso perde muito. Viemos de outras áreas e acreditamos que essa maturação, discussão, gestação mesmo, só agrega. É isso que queremos trazer pros quadrinhos. Coisa que acontece em cinema, teatro e mesmo até certo ponto, em literatura. Depois pensamos juntos qual o melhor suporte pra contar aquela história. Na parte gráfica propriamente dita.

Mas também estamos negociando projetos internacionais que já estão prontos. Então não tem um padrão.

Todos os projetos que estamos trabalhando fomos atrás. Agora com o lançamento da editora fica mais fácil de receber proposta e estamos super disponíveis a elas.

Vocês já têm algum tipo de cronograma de lançamentos? Algo além dessas duas obras iniciais?

Vamos lançar O L’Amour:12oz no começo de novembro e Lavagem na primeira semana de março junto com outro titulo que ainda não podemos divulgar. Temos mais dois em processo ainda para o primeiro semestre de 2015. A ideia é chegar no FIQ 2015 com 5 ou 6 títulos.

A proposta de vocês é “publicar quadrinhos autorais com personalidade marcante de traço e narrativa”. Como vocês chegaram nesse conceito? Existe muito autor brasileiro independente e quase todos com muita personalidade. Qual vai ser o filtro de vocês?

Procuramos autores que tenham uma maturidade de traço e de narrativa. Ou por sua vez uma desconstrução dela. Também adoramos aqueles autores iniciantes que trazem pra suas criações uma força ainda não podada, domada. Obras meio incontroláveis mesmo. Acho que o filtro é esse. Algo que faça diferença. Que fale de alguma coisa que queremos falar. Sobre algo que nos move.
Tem coisas que você lê e te surpreende, te pega no contra pé, desprevenido. Como “A vida de Jonas” por exemplo. Ninguém ta preparado pra aquilo. Os irmãos Costa são fantásticos.

E vocês estão abertos a receber materiais de autores em busca de uma editora? Se sim, como eles podem entrar em contato com vocês?

Estamos super abertos. Com o lançamento da editora ja começaram a chegar alguns trabalhos.Quem se interessar pela nossa proposta, pode entrar em contato no [email protected]

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O foco de vocês será em quadrinhos e autores brasileiros ou há alguma possibilidade de também lançarem quadrinhos estrangeiros?

Na verdade o que nos interessa são bons quadrinhos. Claro que, como você disse, nosso foco maior são autores nacionais. Até pela boa safra de quadrinistas que estamos vivendo. Mas nada impede de lançarmos algo de fora. Estamos em negociação avançadas com um autor estrangeiro que casa direitinho com a proposta da editora. Se tudo der certo, vocês serão os primeiros a saber.

Pode ser uma afirmação meio generalista minha, mas pelas conversas que tenho tido com autores e editores, nunca houve tamanha agitação criativa no universo dos quadrinhos brasileiros. São vários encontros e convenções, editoras surgindo e artistas publicando. Qual a proposta da Mino pra não ser apenas mais uma nesse cenário todo? Aliás, vocês acreditam que exista esse cenário atípico?

Acreditamos nessa agitação sim. Achamos que o momento é bem legal e único na história do quadrinho nacional. Vemos que um novo mercado pode ser formar. Quando dizemos pode, é porque achamos que ele esta muito embrionário ainda. Um mercado que prescinde as bancas de jornais e pontos de vendas tradicionais. Mas isso ainda tem que ser bem trabalhado. Em algum momentos dá aquela sensação de festival de banda punk adolescente, que o publico é principalmente composto pelas bandas que tocam a seguir. Parece que o mercado de quadrinhos autorais é em grande parte formado pelos próprios autores. Por isso achamos que temos que focar muito em fazer uma rede mais capilar. Fazer com que esses autores cheguem fora desse gueto que se formou. O Brasil é um pais continental. Porém vemos que todo mundo só vai nas mesmas convenções, nos mesmo lugares. E vendem pras mesmas pessoas. É nisso que estamos focando. Explorar novos mercados e novas formas de trabalhar com quadrinhos. Se vamos conseguir, só o tempo dirá.

E apesar de toda essa efervescência, publicar qualquer coisa impressa ainda é caro. O preço do papel é alto e o público leitor de quadrinho autoral, apesar de crescente, ainda parece limitado a um nicho. Por que investir em quadrinho?

É caro mas já foi mais. E isso é uma coisa boa e ruim ao mesmo tempo. Aconteceu igual com a música. Antigamente lançar um LP era muito difícil, lançar independente impossível. E quando você chegava em uma grande gravadora, e elas eram na sua grande maioria grandes, você já tinha uma bagagem. Já tinha tocado em muito boteco, feira da escola, espaços pequenos, aberto muito show de outras bandas. Enfim, quando o cara chegava a lançar um disco, já tinha uma estrada, uma bagagem. Agora qualquer banda grava uma demo e coloca no youtube. Até faz sucesso mais falta alguma coisa. Não tem aquela maturidade. Com quadrinho ta acontecendo um pouco isso. Pessoas que nunca escreveram nada agora fazem história de 64 páginas como primeira experiência . Se auto publicam. Participam de Catarses da vida, o que pode ser muito legal, mas falta maturidade. Se pudéssemos dar um conselho diríamos: façam historias curtas. Façam zines. Juntem-se com uma galera e façam coletivos. Escrevam, imprimam, vendam no prédio, na escola. Errem bastante. Recebemos coisas de gente que tem historia com 150 páginas e nunca fizeram um zine sequer. Até de 270 recebemos um dia desses. Tem muita coisa boa mas tem muita coisa ruim também nesse novo momento do quadrinho nacional. Por isso que as editoras ainda tem um papel importante na formação desse novo momento. Mas lógico que no final é por amor mesmo que a maioria das pessoas entram nesse mercado. Se colocar na ponta do lapis talvez seja melhor abrir uma barraquinha de coco em Boa Viagem. Mas acreditamos que temos alguma coisa a somar. Queremos fazer parte desse momento. Fazer diferença. Estamos trabalhando muito. É só isso que podemos oferecer. Paixão , comprometimento e muito trabalho. Estamos de corpo e alma nessa nova empreitada.

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(a vaca símbolo da editora no traço de Shiko)


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