Entrevista com Glenn McDonald, o guru dos dados musicais

Fones

Hoje entrou no ar o site novo da Galileu e junto foi publicada uma entrevista minha com o Glenn McDonald. Ele é um engenheiro de software especialista em estudo e armazenamento de dados relacionados a música. Dá uma lida, meu texto tá aqui.

ProjetoGlenn

‘A paixão continua bastante imprevisível’

Guru norte-americano do uso de dados para estudo de música, Glenn McDonald quer cadastrar todos os gêneros do planeta

por Ramon Vitral

Uma das certezas do engenheiro de software Glenn McDonald é que a música pop está mais triste a cada hit. Talvez baste apenas algumas canções do seu Ipod para você confirmar a ideia, mas McDonald faz uso de matemática e estatística para chegar à conclusão. Ele empregou os arquivos com centenas de milhares de canções da Echo Nest, a empresa norte-americana na qual ele trabalha, dedicada ao estudo e armazenamento de dados sobre música. Criada em 2005, a companhia foi concebida por alguns dos ex-pesquisadores do Media Lab do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e ela vende seus dados para gravadoras e outros empresas da indústria musical.

Aos 46 anos, McDonald é um dos responsáveis pelo cadastro e análise dos gêneros das 35.228.221 canções e 2.602.051 artistas até agora presentes nos registros da Echo Nest. Para concluir seus estudos sobre a tristeza crescente da música pop, ele contrapôs dados como ritmo, notas, dançabilidade e energia de alguns hits lançados entre 1960 e 2013. A conclusão, segundo ele, é menos drástica que alguns teóricos musicais pregam em estudos semelhantes sobre o tema, mas confirma: há uma tendência de aumento na frequência do uso de tonalidades e harmonias mais frequentes em canções interpretadas como tristes.

“Várias coisas que faço com dados produzem resultados corretos intuitivamente”, explica o engenheiro em entrevista à Galileu. No entanto, de acordo com ele, a confirmação de uma certeza empírica pode auxiliar outras análises: “se escrevo um programa para criar uma playlist introdutória para um gênero, primeiro eu aplico em gêneros que pessoalmente conheço bem e vejo se os resultados funcionam. Depois, já sabendo se posso confiar na matemática e no processo, eu posso tentar em gêneros com os quais não tenho qualquer familiaridade e deixo os computadores me ensinarem como é aquela música.”

Em um projeto pessoal, o Every Noise at Once, McDonald criou um mapa com todos os gêneros encontrados em suas pesquisas, incluindo cinco brasileiros, e bandas pertencentes a cada um deles. Em outro, é possível descobrir se o nome de sua banda é inédito. Esses e outros estão explicados no site do engenheiro. Segundo ele, uma das contantes de seu emprego é ser questionado se existe uma fórmula para hits. “Quando tentamos descobrir relações entre popularidade e características musicais mensuráveis, costumamos não encontrar nenhuma”, conta.

No que diz respeito a música nacional, ele conta gostar do que chama de punk brasileiro e cita bandas como Capital Inicial e Charlie Brown Jr. Numa espécie de mea culpa, ele justifica: “Acho que paixão continua bastante imprevisível”. Leia a entrevista com o guru dos dados musicais:

Música para algumas pessoas é como religião. Como é possível transformar um assunto tão passional e subjetivo em algo analítico como dados?

Não é possível e também não é o que estou tentando fazer. Você tem as suas paixões e não pretendo fazer uso de dados para dizer o que e o quanto você deve amar. Mas o que posso tentar fazer é usar dados para ajudar você a entender o universo de possibilidades. Posso ajudar você a descobrir as música que talvez você possa amar e poderia não descobrir de outra forma. Mas decidir o que você sente em relação a ela é inteiramente por sua conta.

Como produtores e artistas podem melhorar seus trabalhos usando essas informações?

“Melhorar” é outro julgamento humano bastante subjetivo. Os dados e cálculos nunca dizem “melhor”, eles informam coisas como “mais alto” ou “mais rápido”. Somos questionados se conhecemos uma fórmula para hits, como se existisse tons ou ritmos mágicos que poderiam garantir grande popularidade. Mas se existe, com certeza não conhecemos. Na verdade, quando tentamos descobrir relações entre popularidade e características musicais mensuráveis, não encontramos nada. Talvez precisemos simplesmente calcular a qualidade certa. Mas duvido que seja possível. Acho que paixão continua bastante imprevisível.

A indústria musical, assim como todas as outras relacionadas ao entretenimento, está passando um momento muito crítico em relação a vendas e formatos. Como pesquisas de dados podem ajudar a melhorar essa realidade?

Acho que dados relacionados a música têm o potencial de ajudar a conectar pessoas às músicas que elas podem gostar. Se isso funcionar, ajuda a criar novos ouvintes mais ativos, com mais investimentos, tanto emocional quanto financeiro, nas músicas que eles encontraram. E se isso ajudar a conectar ouvintes às músicas, inevitavelmente também contribui a conectar as músicas aos seus ouvintes.

Você já encontrou algum estudo ou pesquisa relacionado a dados de música que revela algo óbvio e perceptível por um simples fã, sem conhecimento das mesmas informações que você?

Claro! Várias coisas que faço com dados produzem resultados corretos intuitivamente, ou então os resultados são pelo menos parcialmente aqueles que você espera. Isso pode ser meio chato, mas também é um sinal que os cálculos estão funcionando. E se você pode confirmar que os cálculos estão funcionando em coisa que você já tem certeza, você pode usá-los para explorar coisas que você ainda não sabe. Então, por exemplo, se escrevo um programa para criar uma playlist introdutória para um gênero, primeiro eu aplico em gêneros que pessoalmente conheço bem e vejo se os resultados funcionam. Depois, já sabendo se posso confiar na matemática e no processo, eu posso tentar em gêneros com os quais não tenho qualquer familiaridade e deixo os computadores me ensinarem como é aquela música.

E quais foram as informações mais reveladoras e inesperadas que você encontrou fazendo uso de dados?

Existe muita música. Quase toda vez que esbarro com uma banda totalmente desconhecida e obscura tocando uma música bizarra que me soa algo que nunca existiu, sigo os dados e descubro que na verdade existem 140 bandas como aquela, ou 1400, e elas estão fazendo essa música estranha, única e sem precedentes há décadas, com subgêneros ainda mais diferente e empolgantes. Música é a coisa que os humanos fazem de melhor. Sempre acreditei nisso como uma questão de fé e agora também acredito como uma probabilidade estatística.

Há uma tendência de uso de dados na produção de conteúdo jornalístico, mas muito mais voltado para política e economia. Como eles podem ser utilizados para melhorar o jornalismo de artes e entretenimento?

Jornalistas são ouvintes, também, e quanto melhores eles forem para compreender o mundo sobre o qual estão escrevendo, melhores são as ideias que eles podem ter. Então a mesma coisa que pode me ajudar a descobrir uma banda punk das Filipinas pode ajudar um jornalista a encontrar outras bandas como aquela, dimensionar a relação entre elas e entender como essa banda está inserida em um contexto maior. Essas ferramentas de pesquisa têm potencial de fazer para o jornalismo focado em música o mesmo que o telescópio e o microscópio fizeram para quem escreve sobre ciência.

Você já esteve em contato com algum tipo de dado relacionado a música brasileira?

Claro! Um dos meus grandes projetos pessoais na The Echo Nest foi a organização da nossa lista de gêneros musicais de todo o mundo e a compreensão do que cada um representa. Eu comecei com uns 400 gêneros que sabíamos que existiam, mas ao começar a trabalhar neles descobri outros que havíamos deixado passar. Já estava bastante impressionado quando chegamos a 500 e achava que tínhamos concluído, mas recentemente passamos dos 750 e continuo encontrando outros. Alguns são mais recentes, menores e obscuros, e fez sentido eu demorar para chegar neles. Mas alguns são gigantes. Lembro muito bem do dia que esbarrei com uma menção a algo chamado “sertanejo”, que eu nem sabia que era uma palavra, ainda mais um gênero. Comecei a fazer minha pesquisa padrão para descobrir do que se tratava esse estilo obscuro, e fiquei embasbacado ao descobrir, como você obviamente já sabe, que algumas medições dizem ser o gênero mais popular do quinto maior país do planeta! Tenho 46 anos, tenho sido um fã voraz e curioso de música por quase toda a minha vida, então me tira do sério a ideia de que exista um tipo de música amado por centenas de milhares de pessoas e eu ainda não ouvi falar.

A música brasileira é fabulosa. Descobri muito pop brasileiro que amo, tanto mainstream quanto indie, nos meus esforços para tentar identificar e catalogar todos os gêneros. Meu nicho preferido do Brasil é o punk brasileiro. Pelo menos para mim, subjetivamente, explorando o punk brasileiro de longe, parece menos subdividido quanto a música punk dos Estados Unidos ou o britânico. Elementos que a cena americana tende a compartimentalizar bastante, parecem coexistir em mais harmonia no Brasil, como as guitarras no punk e os sintetizadores no new wave. Não sei se vocês veem dessa forma no Brasil, mas é a minha perspectiva. Aqui vai uma playlist de punk brasileiro que nosso sistema criou e me diverti bastante ouvindo. Gostei bastante de Capital Inicial, Inocentes, Agrotóxico, Dance of Days e Charlie Brown Jr. Você provavelmente já conhece todas elas, mas sem dados e software, eu jamais saberia que elas existem.


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