Como a Marvel passou a publicar os quadrinhos de Star Wars nos anos 70

Hoje foi anunciado que Star Wars: Episódio VIII será lançado dia 26 de maio de 2017. Além da novidade sobre o filme que será dirigido por Rian Johnson, também divulgaram o nome do primeiro spin-off da série. Protagonizado por Felicity Jones e dirigido por Gareth Edwards, Star Wars: Rogue One chega aos cinemas em dezembro de 2016. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas o papo do post é a Trilogia Original.

Fãs de Star Wars devem conhecer o nome Charles Lippincott. Ele foi a primeira pessoa responsável pela publicidade, divulgação e licenciamento de Guerra nas Estrelas. Apesar de só ter trabalhado ativamente em Uma Nova Esperança, ele criou muito da estrutura que tornou George Lucas uma das pessoas mais ricas e poderosas de Hollywood. Antes que o primeiro filme da série fosse lançado, em 1977, Lippincott foi o responsável por negociar o licenciamento dos brinquedos de Star Wars e dar – isso mesmo, DAR – para a Marvel os direitos de publicação do saga em quadrinhos.

Hoje os quadrinhos de Star Wars estão de volta à Marvel após 24 anos na Dark Horse. Em sua perfil no Facebook, Lippincott escreveu um texto extenso contando como foi a negociação que resultou na publicação dos quadrinhos de Guerra nas Estrelas pela Marvel entre 1977 e 1987. Hoje indissociáveis, quadrinhos e cinema não tinham a mesma relação nos anos 70. Só um exemplo: na época, os produtores do filme e os executivos da Marvel achavam ousado divulgar produtos relacionados a um potencial blockbuster de Hollywood na Comic Con de San Diego.

Fiquei sabendo do relato de Lippincott lá no Bleeding Cool. Dá pra ler o post original em inglês, com alguns comentários extras do autor, no Facebook. Segue a minha tradução da história pro português:

SW1Chaykin

No verão de 1975 eu estava trabalhando no galpão de Alfred Hitchcock na Universal quando esbarrei com George Lucas e Gary Kurz. E me falaram desse projeto novo em que estavam trabalhando para a Fox e me perguntaram se eu estava interessado em ler o roteiro. “Claro”, falei, ia amar ler. E eu amei. Amei tanto que quis trabalhar com George e Gary em Star Wars. Encontrei com o George para conversarmos sobre nossas ideias para marketing e merchandising do filme. Nós dois amávamos quadrinhos, ficção científica e brinquedos, então foi fácil concluirmos que trabalharíamos juntos usando quadrinhos e brinquedos para promover o filme.

Eu tinha outros projetos para concluir antes de trabalhar em Star Wars, então só comecei apenas alguns meses depois do nosso primeiro encontro. O George e o Gary receberam o sinal verde do Laddie então eles começaram a pré-produção. Eu fiquei sozinho e com as rédeas soltas para vender e promover Star Wars da forma que achasse melhor.

Desde o começo eu tive a intenção de divugar Star Wars usando quadrinhos. A razão é muito simples: são as mesmas audiências. Hoje isso pode ser óbvio, quando a Comic Con é utilizada para apresentar várias produções de Hollywood, mas em 1976 filmes não eram divulgados dessa forma. Basicamente, filmes eram promovidos de formas convencionais, com anúncios em jornais, rádio e televisão.

Nos anos 70 a melhor banca de Los Angeles era a World Books and News em Cahuenga. Eu ia lá regularmente para comprar quadrinhos, revistas e jornais. Era conhecido de um dos cara da loja, Larry (acho que era um dos donos), que ficava de olho em coisas que talvez fossem me interessar. A World Books and News era um dos poucos lugares de LA em que você podia encontrar coisas como revistas internacionais e quadrinhos underground. O Larry guardou pra mim a primeira edição de Star Reach. A capa era do Jim Starlin, mas o Chaykin tinha 16 páginas de histórias do Cody Starbuck. Fiquei apaixonado em Cody Starbucks no instante em que li.

Acho que não mostrei pro George a revista no nosso primeiro encontro no galpão da Universal, mas assim que ele começou a pré-produção no Reino Unido, já concordava comigo. Nós queríamos Chaykin para o quadrinho. Cody Starbucks era uma figura fanfarrona que poderia estar em uma tira dos Três Mosqueteiros, mas ao mesmo tempo era bastante contemporâneo. Apesar de ter uma espada, Cody era desenhado de uma forma que você sabe que ele poderia também estar empunhando uma arma ou sabre de luz. O visual dele não estava preso a uma determinada época, exatamente o que precisávamos para Star Wars. Nós precisávamos de personagens que fossem desenhados de forma a transcender o tempo e o espaço. Precisavam ser personagens que os leitores aceitassem.

Também decidimos ir com a Marvel e não com a DC Comics. Eu tinha encontrado com a Jeannete Kahn, que administrava a DC, mas senti que eles não estavam tão afiados. A DC não era tão agressiva quanto a Marvel. A Marvel havia publicado Conan e outros personagens que sentíamos estar alinhados com que queríamos fazer com a série de Star Wars em quadrinhos. A DC tinha apenas um cara que era um bom contador de histórias, que eu realmente gostava, mas era uma empresa muito travada. O Roy Thomas era o editor da Marvel e havia feito um trabalho incrível ampliando a linha de personagens deles, trazendo personagens de antigas revistas pulps, incluindo alguns do grande Robert E. Howard, como Conan, Kull e Solomon Kane. Essa expansão agressiva da Marvel era importante pois queríamos estar com uma empresa que estivesse cultivando um púbico leitor de ficção científica.

Essa é a história por trás da nossa decisão de ir com Chaykin e a Marvel.

Com o George e o Gary no Reino Unido, eu estava ocupado vendendo os direitos relacionados a Star Wars e montando uma apresentação para o Conselho de Diretores da Fox para conseguirmos mais dinheiro no orçamento da produção. Esse foi o lendário encontro do Conselho de Diretores da Fox no qual os membros do conselho confundiram o nome do filme com uma briga entre estrelas de cinema. Depois fiz uma apresentação na convenção de Exibidores da Fox, que resultou na campanha “26 por 76”. Alguns dias depois, eu fui para Nova York e fiz a mesma apresentação nos escritórios da Fox na cidade. Depois disso, fui com Marc Pevers na International Toy Fair de Nova York.

Isso foi em fevereiro de 1976.

Usei o catálogo do hotel para encontrar o telefone da Marvel. Tentei ligar para a Marvel sem expectativas, para ver se poderia marcar um encontro com Stan Lee. Não, eu não podia. Não, o Stan Lee não tinha horário livre naquele dia, no dia seguinte ou mesmo na semana seguinte. Então o que eu podia fazer? Como eu faria pra entrar lá? Claro, Ed Summers, sócio do George em Supersnipe. O Ed tinha conhecidos no mundo dos quadrinhos, por que não tentar? Duh…Então liguei pro Ed pra ver se ele não conseguia marcar um encontro com o Roy Thomas, o editor anterior. Sabia que o Roy tinha conhecimento do melhor percurso para chegar na Marvel.

Óbvio, o Ed conhecia o Roy e marcamos um encontro naquela tarde. Fomos pra casa do Roy e apresentei a ideia dos gibis de Star Wars. O Roy amou e queria estar dentro! Ótimo! Nossa, o Roy era uma lenda! Seria um tremendo time: o Roy escrevendo e o Chaykin desenhando, os dois fariam um grande quadrinho. Então o Roy marcou uma reunião com o Stan. Sabe, isso prova que há várias formas de chegar a alguém. Em LA todo mundo diz que escritores tentam de tudo, de jogar um roteiro do muro da casa de um produtor na hora que ele estiver tomando sol na piscina a conhecer o cabeleireiro de um ator. Eu iria utilizar todas as conexões possíveis para conseguir uma reunião na Marvel.

O encontro. Na apresentação do projeto feita pelo Roy estavam Stan Lee e Eddie Shukin, diretor de negócios da Marvel. Eu falei para eles a quantidade quadrinhos que queria fazer, quando gostaria que fossem lançados e como eles poderiam ser divulgados. Além da rota tradicional de publicidade, daria um jeito de colocar na programação da Comic Con de San Diego em 1976, levando o Roy e o Howard para uma apresentação. Faríamos um pôster desenhado pelo Chaykin que seria vendido por um preço mínimo, para que os fãs tivessem alguma coisa até o lançamento do gibi. Apesar de Stan e Shuykin terem ficados animados com a ideia de atrair mais leitores e atiçar os fãs com os quadrinhos de Star Wars, eles ficaram ainda mais empolgados por não precisarem gastar um centavo sequer com os direitos. Eles estavam ganhando os direitos, de graça. E pra melhorar, nós iríamos bancar os cinco primeiros números e eles não precisariam gastar nada com a divulgação. Os gastos seriam por nossa conta, da Comic Con aos anúncios. Era uma oferta que a Marvel não poderia recusar.

Na época eu não fazia ideia que a Marvel estava passando por problemas financeiros. De qualquer forma, não teria importado, pois a Marvel e a DC eram as líderes do mercado. Nós precisávamos dos quadrinhos para alcançar nosso público e as duas empresas tinham os canais de distribuição para que chegássemos lá. Valia a pena que a Marvel tivesse tudo DE GRAÇA e entrássemos nesse mercado, pois estaríamos atingindo a nossa audiência.

Depois do encontro com o Stan e de termos acertado que os cinco primeiro números sairiam de graça para eles, Marc Pevers montou os contratos.

Marc Pevers era o representante da Fox e o advogado que negociou junto comigo os licenciamentos. Eu representava Star Wars. Marc representava a 20th Century. Nós dois fomos à Toy Fair para licenciar os brinquedos, depois ele voltou pra Los Angeles e eu fiquei pra fechar o negócio com a Marvel. Algumas pessoas no departamento de marketing da Fox achavam uma perda de tempo eu continuar em Nova York e encontrar com a Marvel. Eles realmente acreditavam que não valia a pena investir em revistas de histórias em quadrinhos – e pensavam que eu era maluco por simplesmente dar os direitos. Eles não viam conexão entre o público de quadrinhos e o de Star Wars e também não entendiam que distribuindo os cinco primeiros números teríamos criado público para o sexto número em diante.

E para encerrar essa sessão de MARVEL, STAR WARS E QUADRINHOS, concluo dizendo que os rumores não procedem: os contratos de merchandising relacionados a Star Wars não eram fechados com um aperto de mãos e US$50. O contrato de licenciamento com a Marvel foi feito por Marc Pevers e os advogados da Marvel, depois assinados pelo George. Todos os detalhes foram negociados, depois impressos e assinados por ambas as partes.


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